A Citizens Voice tomou posição sobre o novo regulamento da Feira Municipal de Santo Tirso
A Citizens Voice – Consumer Advocacy Association participou, a convite do Excelentíssimo Senhor Vereador, Dr. José Pedro Machado, na consulta pública promovida pela Câmara Municipal de Santo Tirso relativamente à proposta de primeira alteração ao Regulamento de Funcionamento da Feira Municipal, atualmente em vigor.
Conforme previsto no n.º 3 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro, a nossa associação emitiu parecer jurídico detalhado sobre o projeto em causa, com enfoque na defesa dos consumidores enquanto utentes da feira.
O parecer sublinha que, embora os feirantes, na sua qualidade profissional, não se enquadrem na definição legal de consumidor, o regulamento da feira deve, ainda assim, salvaguardar de forma indireta os direitos e interesses dos cidadãos que recorrem a este espaço para aquisição de bens. Foram analisadas em profundidade as alterações aos artigos 4.º, 9.º, 15.º, 19.º e 20.º do regulamento, tendo-se concluído que as mesmas, com os devidos equilíbrios, promovem a transparência, a regularidade da oferta e a proteção dos interesses económicos dos consumidores.
O parecer completo encontra-se disponível em anexo.
A defesa do consumidor começa na vida local.
2 de maio de 2025
Citizens Voice – Consumer Advocacy Association
Letter BD.2025.10 – consulta pública CM Santo Tirso – Feiras
Exmo. Senhor Vereador,
A associação Citizens Voice – Consumer Advocacy Association agradece a V. Exa. a oportunidade de se pronunciar no âmbito do processo de consulta pública relativo ao projeto de primeira alteração ao Regulamento de Funcionamento da Feira Municipal de Santo Tirso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro.
A possibilidade de participação ativa na definição das políticas públicas locais, especialmente aquelas com impacto direto na vida quotidiana dos consumidores, constitui um exercício salutar de cidadania e de governação democrática, que muito se saúda.
Junta-se, em anexo, o parecer jurídico elaborado por esta associação, na perspetiva da defesa dos consumidores enquanto utentes da feira municipal, contendo análise detalhada das alterações propostas aos artigos 4.º, 9.º, 15.º, 19.º e 20.º do regulamento em vigor.
Reiterando os nossos agradecimentos e colocando-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais,
Com os cordiais cumprimentos,
(Octávio Viana)
Pela CITIZENS’ VOICE
Parecer Jurídico
sobre as Alterações ao
Regulamento da Feira Municipal de Santo Tirso
Objeto do Parecer: O presente parecer recai sobre o projeto de primeira alteração ao Regulamento de Funcionamento da Feira Municipal de Santo Tirso (regulamento aprovado pela Assembleia Municipal em 30 de junho de 2017). Este parecer foi solicitado no âmbito da consulta pública em curso (Edital n.º 815/2025, de 2 de maio) dirigida, inter alia, a associações de defesa do consumidor, em conformidade com a lei vigente.
Em particular, avaliaremos cada alteração proposta aos artigos 4.º, 9.º, 15.º, 19.º e 20.º do regulamento, bem como as suas implicações diretas e indiretas para os consumidores (i.e., o público que frequenta a feira).
Antes disso, porém, esclarece-se por que motivo os feirantes, na qualidade de vendedores profissionais ambulantes, não são legalmente considerados consumidores – esclarecimento necessário para delimitar o âmbito de proteção conferido pelo direito do consumidor neste contexto.
Enquadramento Geral: As feiras tradicionais em Portugal são atividades de comércio ambulante reguladas pelos municípios desde há muito, sujeitas a regras administrativas quanto ao local, periodicidade, licenciamento de vendedores e fiscalização sanitária e económica. Nas últimas décadas, assistiu-se a uma evolução normativa significativa: a par da consagração legal dos direitos dos consumidores (v.g. Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – Lei de Defesa do Consumidor), foram sendo modernizados os regimes jurídicos do comércio a retalho não sedentário. Mais recentemente, o Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração (RJACSR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro) passou a enquadrar também as feiras e mercados municipais, impondo princípios de simplificação e impondo obrigações de audição prévia de entidades representativas aquando da elaboração ou alteração de regulamentos municipais pertinentes. Estas mudanças refletem preocupações com a concorrência leal, a qualidade dos produtos vendidos e a proteção do consumidor enquanto destinatário final dos bens adquiridos nas feiras.
É nesta linha de respeito pelos direitos dos consumidores – que incluem, entre outros, o direito à qualidade dos bens e serviços, à informação, à proteção dos interesses económicos e à participação na definição das políticas de consumo – que se deve apreciar o projeto de regulamento em causa.
Cumpre, pois, analisar as alterações propostas sob o prisma dos princípios da transparência e previsibilidade das regras e da defesa dos interesses dos consumidores, sem perder de vista o necessário equilíbrio com os legítimos interesses dos feirantes e a boa gestão do espaço público.
Feirantes vs Consumidores: enquadramento jurídico
Antes de examinarmos as alterações específicas, convém aclarar por que razão os feirantes não são, eles próprios, “consumidores” na aceção jurídica do termo, ao contrário dos utentes que acorrem à feira para realizar compras. A distinção é fundamental no direito do consumo: a legislação nacional e comunitária (direito da União Europeia) confere proteção especial ao consumidor enquanto parte mais fraca da relação de consumo, mas restringe tal conceito àquele que atua fora do âmbito da sua atividade profissional ou comercial.
No regime jurídico interno, a Lei de Defesa do Consumidor define expressamente consumidor como
todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Ou seja, o consumidor é o adquirente final, para fins pessoais ou domésticos, de bens ou serviços fornecidos por um agente profissional. Não se incluem, portanto, as pessoas ou entidades que compram ou utilizam bens no âmbito da sua atividade comercial. Esta exclusão abrange tanto os comerciantes em geral (ao comprarem matérias-primas, mercadorias para revenda, equipamentos para o seu negócio, etc.) como, especificamente, os vendedores ambulantes e feirantes no exercício da sua profissão. Assim, um feirante que adquire produtos a um grossista para depois os vender na feira não é tratado como consumidor nessa transação, pois compra com finalidade comercial (revenda) e não para uso privado. Da mesma forma, no relacionamento entre o feirante e o Município (por exemplo, no pagamento de taxas de ocupação do espaço da feira), o feirante não é destinatário final de um bem de consumo – está a atuar como profissional que utiliza um espaço público para exercício da sua atividade económica.
No plano do direito da União Europeia, a conclusão é idêntica. A Diretiva 2011/83/UE (Diretiva dos Direitos dos Consumidores) define consumidor como qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela Diretiva, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. Complementarmente, define profissional (ou trader) como a pessoa (singular ou coletiva) que atue, nesses contratos, no âmbito da sua atividade comercial ou profissional. É claro, portanto, que o feirante é juridicamente um profissional / fornecedor, não um consumidor, quando vende os seus produtos ao público. Ele exerce uma atividade económica com intuito lucrativo e, por isso, as relações jurídicas em que intervém enquanto vendedor inserem-se no comércio profissional.
Essa distinção acarreta que os feirantes não beneficiam das garantias e direitos próprios dos consumidores nas transações ligadas à sua atividade. Por exemplo, não gozam do direito à livre resolução de um contrato de fornecimento celebrado para o negócio, nem podem invocar a legislação das cláusulas abusivas destinada a proteger consumidores. Tais diplomas aplicam-se apenas às relações entre profissionais e consumidores finais, não entre profissionais entre si. Do mesmo modo, um feirante não pode invocar a Lei de Defesa do Consumidor para exigir proteção especial perante a Câmara Municipal relativamente ao regulamento da feira – a sua relação com o Município enquadra-se no direito administrativo (e eventualmente no direito comercial, no que toca a licenças e taxas), e não no direito do consumo. Aliás, é pacífico, na doutrina e jurisprudência nacional, que quem atua no exercício de uma atividade económica não pode ser considerado consumidor nessa qualidade. Em suma, os feirantes são sujeitos profissionais (fornecedores), ao passo que os consumidores tutelados pela lei, no contexto de uma feira, são os clientes que ali adquirem bens para uso privado.
Este esclarecimento não diminui, contudo, a relevância dos interesses dos consumidores no funcionamento das feiras. Muito pelo contrário: o público consumidor é o destinatário final e razão de ser da feira, pelo que o regulamento que disciplina a atividade dos feirantes deve ter em vista, ainda que de forma indireta, a salvaguarda dos direitos e interesses dos consumidores enquanto utentes da feira. O próprio legislador reconhece isso ao prever a intervenção das associações de consumidores na formulação destes regulamentos. De resto, entre os direitos fundamentais dos consumidores consagrados na Lei 24/96 encontra-se a proteção dos interesses económicos do consumidor e a garantia de uma qualidade adequada dos bens e serviços disponibilizados no mercado. Aplicando tais princípios ao caso das feiras: espera-se que a regulamentação municipal promova um ambiente de comércio ambulante transparente, previsível, seguro e de qualidade, em benefício de todos – consumidores e vendedores. É sob essa perspetiva que passamos a examinar, ponto por ponto, as alterações propostas.
Análise das Alterações Propostas e Impactos para os Consumidores
Artigo 4.º – Taxas (Isenção de pagamento por doença prolongada do feirante)
A alteração projetada ao artigo 4.º visa introduzir uma isenção no pagamento das taxas de ocupação do terrado da feira em favor dos feirantes que, por motivo de doença prolongada, se vejam temporariamente impedidos de comparecer na feira. De acordo com a nova redação do n.º 7 do artigo 4.º,
os feirantes que se encontrem impossibilitados, temporariamente, de ocuparem os seus espaços de venda e fruírem da sua utilização, por motivo de doença prolongada, ficam isentos do pagamento da respetiva taxa, por período de um a doze meses, […] mediante apresentação de requerimento e dos documentos comprovativos da situação.
Em termos práticos, significa que um vendedor ambulante acometido de um problema de saúde sério poderá suspender o pagamento das taxas municipais durante o período em que não pode exercer a atividade, até ao máximo de um ano.
À primeira vista, esta disposição concerne sobretudo a relação entre o profissional feirante e a entidade organizadora (Município), sendo uma medida de caráter social/deferente para com o feirante. Todavia, há implicações indiretas importantes para os consumidores e para o bom funcionamento da feira que merecem destaque:
Continuidade da oferta e regularidade do serviço: A isenção de taxa visa evitar que o feirante, já penalizado pela doença, tenha ainda de suportar um encargo financeiro por um serviço (uso do espaço da feira) de que não pode usufruir. Com isso, procura-se desincentivar o abandono definitivo da atividade por motivos de saúde. Se o regulamento não previsse tal isenção, um feirante adoentado ver-se-ia na contingência de pagar apesar de ausente, o que poderia levá-lo a desistir do lugar para não acumular dívidas.
Ora, a desistência ou perda do lugar implicaria muito provavelmente a diminuição (temporária ou permanente) da oferta de produtos na feira, até que um novo vendedor ocupasse o espaço. Desse modo, ao proteger o feirante em situação de fragilidade, a medida protege também os consumidores, na medida em que favorece a continuidade do comércio: o feirante, podendo manter a sua licença de lugar sem custos durante a convalescença, terá motivação para regressar logo que possível, retomando o abastecimento dos bens que comercializa.
Os consumidores usufruem, assim, de maior regularidade nos serviços prestados no mercado ambulante, encontrando os seus fornecedores habituais de volta após a ausência justificada.
Qualidade e diversidade mantidas: Muitos feirantes estabelecem, ao longo dos anos, relações de confiança e fidelização com a clientela, bem como especialização em certos produtos (por exemplo, aquele produtor de mel ou aquele vendedor de queijos artesanais que os consumidores já conhecem).
Se tais vendedores fossem compelidos a abandonar a feira por não poderem pagar as taxas durante uma doença prolongada, perder-se-ia know-how e diversidade na feira.
A nova isenção contribui para preservar essas microempresas familiares, o que redunda numa maior diversidade de oferta e manutenção da qualidade (na medida em que vendedores experientes permanecem em atividade em vez de serem substituídos às pressas).
Para o consumidor, isso é positivo: mantém-se a possibilidade de escolher entre diferentes bancas e produtos, evitando-se lacunas repentinas.
Princípio da transparência e previsibilidade: Importa notar que esta isenção não opera automaticamente, dependendo de requerimento fundamentado e prova documental por parte do feirante. Isto revela um compromisso entre flexibilidade e segurança jurídica.
Por um lado, evita-se abuso (a isenção só se aplica com controlo administrativo, impedindo que qualquer ausência seja declarada doença prolongada sem comprovação);
Por outro, estabelece-se de forma transparente uma causa legítima de não pagamento, conhecida a priori por todos os intervenientes.
Para os consumidores, a previsibilidade advém do facto de que a regra permite ausências justificadas sem perda do lugar – logo, os consumidores podem contar que uma banca habitual retomará atividade após uma ausência por doença, não sendo surpreendidos pelo desaparecimento definitivo do vendedor de uma semana para a outra.
Embora o público não conheça os detalhes burocráticos, beneficia da estabilidade que a regra confere ao quadro de feirantes presentes.
Proteção dos interesses económicos do consumidor: Ainda que de forma mediata, esta alteração protege os interesses económicos dos consumidores, pois a manutenção de maior número de vendedores habilitados a regressar à feira após doença intensifica a concorrência e evita situações de escassez.
Por exemplo, se um feirante de produtos hortícolas adoece, a isenção encoraja-o a retomar a atividade assim que possível, mantendo a concorrência com os demais vendedores de hortícolas. Se, pelo contrário, abandonasse o lugar, os restantes poderiam – em tese – ressentir-se da menor concorrência, o que nunca favorece o consumidor (seja em preço, seja em opção).
Em suma, a regra promove um ambiente de mercado mais concorrencial e equilibrado, ainda que o faça através da proteção conferida ao vendedor doente.
Em termos críticos, poder-se-ia apontar que a eficácia desta medida dependerá da gestão administrativa: será necessário controlá-la com bom senso, para que a isenção não leve a lugares sistematicamente vazios na feira em prejuízo dos consumidores.
Contudo, dado o limite máximo de 12 meses e a exigência de prova médica, tal risco parece mitigado.
A alteração revela, de resto, uma preocupação de justiça e humanidade administrativa – sem custos para o erário, como a própria Nota Justificativa salienta.
Em todo o caso, do ponto de vista dos utentes da feira, não há prejuízo identificado: o espaço do feirante ausente continuará formalmente atribuído (não pode ser ocupado permanentemente por outro enquanto durar a isenção), mas nada obsta a que, pontualmente, o Município autorize ocupações ocasionais dessas vagas temporárias (substituição eventual), se tal estiver previsto no regulamento geral – matéria fora do escopo desta alteração.
O importante é que a médio prazo o consumidor não perca um vendedor tradicional nem a vitalidade do mercado.
Em conclusão, a alteração ao artigo 4.º combina sensibilidade social e eficiência económica, fortalecendo indiretamente a regularidade do serviço prestado aos consumidores na feira municipal.
Com transparência (critério claro: doença prolongada comprovada) e previsibilidade (período máximo definido, manutenção do lugar), atende-se ao interesse público sem comprometer os direitos dos utentes – pelo contrário, trazendo-lhes potencial benefício em termos de continuidade da oferta.
Artigo 9.º – Realização da Feira (Periodicidade semanal e tratamento de feriados)
No artigo 9.º do regulamento define-se quando e onde ocorre a feira municipal. A redação proposta clarifica alguns aspetos cruciais para a previsibilidade do evento, fixando regras específicas para os casos em que a data coincida com feriados.
Conforme o projeto, o n.º 1 passa a dispor que a feira municipal de Santo Tirso realiza-se todas as segundas-feiras, no recinto contíguo ao Mercado Municipal, com exceção do dia de Natal (25 de dezembro) e do dia de Ano Novo (1 de janeiro).
O n.º 2 acrescenta que quando o dia de feira coincidir com o dia de Natal e Ano Novo, a mesma será realizada no dia anterior, entre as 07h00 e as 15h00.
O n.º 3 mantém-se inalterado.
Impacto no consumidor em termos de previsibilidade e confiança: Esta alteração, embora possa parecer de índole meramente organizativa, tem relevância direta para os consumidores enquanto frequentadores da feira. Ao estabelecer de forma taxativa que a feira será sempre à segunda-feira, mesmo que esse dia seja feriado, excetuando-se apenas os dois feriados nacionais muito particulares (Natal e 1 de Janeiro), o regulamento reforça o princípio da continuidade do serviço público comercial prestado pela feira.
Anteriormente, poder-se-ia questionar se em determinadas segundas-feiras feriadas (por exemplo, 25 de Abril, 10 de Junho, etc., quando calham à segunda-feira) haveria ou não feira – a decisão ficava talvez à discricionariedade da Câmara ou carecia de aviso prévio. Agora, fica transparente e antecipadamente definido: tirando as datas festivas que, por motivos culturais óbvios, inviabilizam a sua realização no próprio dia, haverá feira em todas as outras segundas-feiras do ano, sem exceção.
Quanto ao Natal e Ano Novo, a solução encontrada não é o cancelamento, mas sim a realização antecipada (ao domingo, dia anterior), dentro do horário especificado.
Para o consumidor, isto é extremamente benéfico em termos de planeamento e confiança: sabe que pode contar com a feira semanalmente, como de costume, não sendo apanhado desprevenido por suspensões inesperadas.
O princípio da previsibilidade, caro tanto à boa administração como à proteção do consumidor, sai reforçado – a oferta do comércio ambulante torna-se mais regular e estável, facilitando a organização da vida dos munícipes que dependem ou preferem a feira para as suas compras. Pense-se, por exemplo, num consumidor que faça questão de adquirir produtos frescos na feira todas as semanas; se uma segunda-feira for feriado (v.g. feriado municipal ou nacional), esse consumidor agora sabe, de antemão, que a feira ocorrerá na mesma, ou no dia anterior se for Natal/Ano Novo. Evita-se assim o descontentamento e o eventual prejuízo de dar uma viagem perdida ou de ter de procurar alternativas de última hora por falta da feira.
Proteção dos interesses económicos dos consumidores: Ao assegurar que a feira não se cancela facilmente, a Câmara está também a proteger os interesses económicos dos utentes. Em muitas localidades, quando a feira semanal calha num feriado, simplesmente é anulada naquela semana, o que pode levar os consumidores a terem de comprar em supermercados ou outros estabelecimentos (possivelmente a preços mais elevados ou com menor diversidade de oferta, especialmente no que toca a produtos locais ou artigos tradicionais vendidos em feiras).
Santo Tirso opta, a nosso ver muito bem, por não privar os cidadãos desse importante canal de comércio, mesmo em dias feriados (salvo as inevitáveis datas festivas mencionadas).
Com isto evita-se uma quebra no abastecimento regular à população e previne-se a concentração de duas semanas de procura numa só feira subsequente, o que poderia causar congestionamento e subida de preços.
Em síntese, o consumidor não sofre interrupções no serviço e consegue manter as suas rotinas de consumo, o que é parte da proteção dos seus interesses económicos – afinal, o direito do consumidor abrange também a previsibilidade no acesso contínuo a bens essenciais ou de consumo corrente.
Transparência e informação: A alteração do art. 9.º contribui para a transparência informativa do regulamento. Torna a regra de realização da feira mais clara e completa, contemplando cenários especiais de forma explícita. Isto está alinhado com o dever de informação para o consumo consagrado na Lei 24/96. Ainda que o regulamento não seja um documento lido pelo consumidor típico, a informação sobre a realização (ou antecipação) da feira em dias excecionais será certamente divulgada pelos canais habituais (editais municipais, anúncios na própria feira, meios de comunicação locais).
O importante é que existe uma base regulamentar objetiva que sustenta essa informação, eliminando dúvidas.
Um detalhe digno de nota – com um leve tom crítico-irónico – é o seguinte: a Nota Justificativa do projeto enfatiza que se pretende garantir que o dia de realização da feira é sempre à segunda‑feira, incluindo feriados (com exceção do Natal e Ano Novo). Não deixa de ser curioso este sempre, incluindo feriados, excetuando justamente os feriados em que, por senso comum, ninguém esperaria que houvesse feira (afinal, nem consumidores nem feirantes estariam disponíveis no Dia de Natal, por exemplo).
Ou seja, normativiza-se o quase óbvio; mas há aqui mérito regulatório: encerrar a porta a quaisquer interpretações arbitrárias. Até mesmo feriados municipais ou outros (Páscoa não releva porque é domingo, mas imagine-se um 1.º de Maio a uma segunda-feira) deixarão de servir de pretexto para suspender a feira. Fica assim demonstrado um compromisso com a continuidade do serviço, o que merece elogio do ponto de vista dos consumidores.
Amplitude horária reduzida nesses casos: A regra fixa que, quando antecipada para domingo (por coincidir com 25/12 ou 1/1), a feira funcionará entre as 07h00 e as 15h00.
Deduz-se que esse poderá ser um horário ligeiramente reduzido em comparação com o normal (um horário até mais tarde da tarde nas segundas normais, pelo menos nos meses de Verão faz-nos sentido).
Contudo, esta limitação horária nos dias antecipados é compreensível – trata-se de dias especiais em que também se ponderam questões de ruído ou descanso dominical, ou logística.
Para os consumidores, não causa grande transtorno: tradicionalmente as feiras esmorecem após o início da tarde e a maioria das compras é feita de manhã. Além disso, melhor ter a feira num domingo até às 15h do que não a ter de todo.
Portanto, considera-se que a medida é equilibrada e proporcional, respeitando inclusive o princípio da conciliação de interesses (neste caso, o equilíbrio entre viabilizar a feira e não perturbar excessivamente o gozo familiar do domingo festivo).
Em suma, a alteração ao artigo 9.º representa uma melhoria na clareza normativa e reforça a previsibilidade e regularidade do funcionamento da feira.
Para os consumidores/utentes, isto traduz-se em maior certeza e continuidade na disponibilidade do mercado, o que atende ao seu direito a uma oferta regular de bens de consumo de qualidade e a um serviço de interesse económico geral estável.
Trata-se, em última análise, de colocar o interesse do público em primeiro lugar, sem descurar a viabilidade para os feirantes – estes também ganham, aliás, pois sabem que não perderão um dia de negócio exceto nas situações inultrapassáveis definidas, podendo planear antecipadamente uma eventual feira ao domingo quando aplicável.
Artigo 15.º – Atribuição dos Espaços de Venda (Limite de dois lugares contíguos por feirante)
A terceira alteração significativa incide sobre o artigo 15.º, relativo aos critérios de atribuição de lugares na feira. O elemento novo introduzido (no n.º 2 do artigo) estabelece que cada feirante pode, no máximo, ocupar dois espaços de venda, desde que se verifiquem duas condições:
- haja lugares disponíveis para o permitir; e
- (ii) os dois lugares sejam contíguos e dentro do mesmo setor de atividade/tipo de produtos que o feirante comercializa.
A redação proposta é:
[p]or cada feirante é permitida a ocupação de dois espaços de venda, se para tal houver lugares disponíveis, desde que os mesmos sejam contíguos e seja respeitado o setor de atividade e espécies de produtos comercializados em que se inserem.
No regime atual (antes da alteração), presumivelmente ou não era permitida a ocupação de dois lugares por um só feirante, ou era omissa a exigência de contiguidade e coerência de setor.
A Nota Justificativa esclarece que o intuito é clarificar que a atribuição de dois espaços de venda terá de ser em lugares contíguos, o que sugere que já se admitia a hipótese de um feirante ter dois lugares, mas talvez sem menção expressa de que deviam ser adjacentes. Em todo o caso, a nova norma vem delimitar explicitamente esta possibilidade.
Interesse do consumidor: diversidade vs. concentração de oferta. À primeira vista, poder-se-ia pensar que permitir a um feirante ter duas bancas poderia diminuir a diversidade de vendedores na feira, o que seria desfavorável ao consumidor (menos vendedores distintos pode significar menos variedade de estilos, preços ou produtos).
Contudo, importa contextualizar: a autorização só vale se houver lugares disponíveis, ou seja, não prejudica potenciais interessados.
Na prática, isto significa que nenhum candidato apto ficará sem lugar por outro já instalado ter dois – apenas se existirem espaços vagos não requeridos por terceiros é que se cogita atribuir um segundo ao mesmo feirante.
Esta salvaguarda é importante: garante prioridade à entrada de novos feirantes para aumentar a diversidade; só em situação de sobra é que se preenche vazios com duplicação.
Desta forma, protegem-se os interesses do consumidor em ter o máximo de oferta diferenciada, pois a multiplicidade de feirantes distintos será sempre privilegiada enquanto houver quem ocupe os lugares.
Quando, porém, não haja candidatos suficientes para todos os lugares (situação de sobra de espaço), permitir que um feirante ocupe dois espaços evita o desperdício de área livre e pode até enriquecer visual e funcionalmente a feira, o que melhora a experiência do consumidor.
Uma fila de bancas com “buracos” vazios quebra a atratividade e até a comodidade (ex.: os consumidores deslocam-se a um ponto da feira para encontrar nada, criando sensação de desorganização).
Com esta medida, lugares desocupados podem ser temporariamente preenchidos por quem já lá está e tem capacidade de expor mais produtos.
Para o público, isso significa mais produtos expostos e continuidade no recinto sem interrupções.
Exigência de contiguidade e homogeneidade de setor: Aqui reside um ponto central que favorece claramente a transparência e a organização em benefício do consumidor.
Ao exigir que os dois lugares de um mesmo feirante sejam contíguos e do mesmo ramo de produto, evita-se uma potencial confusão: o consumidor facilmente percebe que aquelas duas bancas juntas pertencem ao mesmo vendedor e contêm a mesma natureza de produtos. Sem essa regra, imagine-se que um mesmo feirante pudesse ter duas bancas separadas, quem sabe até em setores distintos – o consumidor poderia ser induzido em erro, pensando tratar-se de vendedores diferentes, ou poderia haver práticas menos claras (por exemplo, um feirante ocupar estrategicamente lugares em pontos distintos da feira para atrair públicos diferentes, simulando concorrência onde na verdade é o mesmo agente). Tal cenário não seria transparente.
A contiguidade, pelo contrário, promove a clareza: um feirante = uma área delimitada da feira.
Assim, o layout do mercado torna-se mais lógico e previsível para os utentes, que conseguem navegar por setores (vestuário, frutas, flores, etc.) e identificar facilmente quem vende o quê.
Ademais, respeitar o setor de atividade e tipo de produtos nos lugares adicionais garante que não haverá mistura indevida de categorias de bens na mesma dupla de bancas. Isso também é pró-consumidor: mantém a coerência setorial da feira. Por exemplo, se um feirante de calçado obtiver um segundo espaço, deverá ser ao lado do primeiro e igualmente para calçado – não poderia esse mesmo vendedor ocupar um segundo talho na zona de hortaliças para vender sapatos lá também.
Assim, preserva-se a setorização temática que geralmente existe nas feiras (agrupamento de bancas por tipo de mercadoria), o que facilita as compras dos consumidores – estes sabem onde se concentram os produtos do seu interesse, não encontrando uma mistura caótica.
Concorrência e qualidade do serviço: Pode temer-se que um feirante com dois lugares adquira vantagem exagerada sobre os demais, mas a verdade é que essa possibilidade apenas surge quando há lugares sobrantes (logo, não está a excluir ninguém) e, de certo modo, implica também mais custos e responsabilidade para o próprio feirante (paga duas taxas, gere duas bancas). Se ele opta por isso, em princípio é porque pode oferecer mais produtos ou variedade. Nada impede, contudo, que outro feirante também ocupe duplamente, se ainda houver mais espaços livres – não se trata de um privilégio exclusivo, mas sim de maximizar a utilização do recinto disponível.
Para os consumidores, ter alguns feirantes de maior dimensão (duas bancas) não é necessariamente mau: pode significar um stand mais diversificado ou com mais quantidade de stock, evitando ruturas.
Por exemplo, um horticultor com dois talhões contíguos pode trazer mais produtos e até apresentar-se melhor organizado (um espaço para frutas, outro para legumes), melhorando a experiência de compra.
No que toca à qualidade dos produtos e serviços, esta alteração é neutra – não incide diretamente nesse aspeto.
Porém, de forma indireta, pode estimular os feirantes a investirem na sua presença: se sabem que, havendo oportunidade, podem expandir a sua área de venda, talvez tragam uma gama maior de artigos ou façam uma exposição mais cuidada. Isso redunda em benefício para o consumidor, que encontra mais opções e eventualmente um stand mais acessível (menos apertado). Por outro lado, a limitação a dois espaços impede que alguém monopolize uma parte demasiado grande da feira. Imagine-se que não houvesse limite: um só feirante poderia teoricamente ocupar três, quatro lugares vagos, transformando-se num “hiper-feirante” e talvez reduzindo o caráter tradicional de múltiplos pequenos comerciantes. Ao fixar o teto em dois espaços por feirante, a regulamentação equilibra a possibilidade de expansão com a preservação do caráter plural do mercado ambulante.
Transparência procedimental: Esta mudança também toca no princípio da transparência administrativa e da igualdade de oportunidades.
Ao estar inscrito no regulamento que até dois espaços podem ser atribuídos, todos os feirantes conhecem esta regra do jogo, evitando-se favoritismos ocultos. Se a Câmara entender alocar um segundo lugar a um feirante, terá de fazê-lo obedecendo aos critérios regulamentares (disponibilidade, contiguidade, setor), que são objetivos e verificáveis. Isso impede que decisões discricionárias (por exemplo, ceder um lugar vago extra a um feirante “amigo” em detrimento de outro igualmente interessado) sejam tomadas sem base legal – agora a base existe e é igual para todos.
Embora este seja um ponto mais sentido pelos feirantes (justiça intra-profissionais), tem reflexos para os consumidores na medida em que reforça a organização imparcial da feira. Uma feira regida por regras claras tende a ser um espaço mais ordenado, estável e de confiança, o que importa para a perceção de segurança e justiça que o consumidor também valoriza no comércio tradicional.
Conclusão sobre o art. 15.º: A alteração proposta parece razoável e até vantajosa para o público, desde que implementada com critério.
A alteração não prejudica a diversidade (pois novos comerciantes têm prioridade sobre a duplicação de espaços) e evita espaços vazios na feira, aumentando a oferta disponível a cada dia de mercado.
Com isto garante-se que essa oferta extra não compromete a clareza nem a organização por tipos de produto, graças à exigência de contiguidade e homogeneidade, o que vai ao encontro do princípio da transparência e da qualidade do serviço prestado (uma feira bem estruturada é parte da qualidade percebida pelo utente).
Poderíamos dizer que, com esta medida, se introduz uma dose de flexibilidade comedida: supre lacunas sem desvirtuar a natureza multivendedor da feira. Para o consumidor, dificilmente se apontam inconvenientes – pelo contrário, terá potencialmente mais produtos para escolher e uma feira visualmente completa, sem “buracos” tristonhos.
Se alguma ironia se pode empregar, talvez se possa notar que esta clarificação normativa vem “ensinar o padre-nosso ao vigário”, isto é, sublinhar algo que já deveria ser de bom senso: se um feirante ocupa dois lugares, é lógico que os queira juntos para melhor os gerir. Mas nem sempre o que é lógico acontece sem norma; o regulador municipal achou por bem preveni-los e cremos que agiu devidamente, antecipando qualquer inusitada vontade de um feirante dispersar bancas pela feira (situação que, a ocorrer, seria prejudicial à experiência de consumo e à ordem no recinto). Portanto, ponto positivo para a alteração.
Artigo 19.º – Transmissão do Direito de Ocupação do Espaço de Venda (Novas causas e legitimados)
Esta é talvez a alteração mais delicada no plano jurídico: trata da possibilidade de transferência (“transmissão”) do direito de ocupação de um lugar de feira de um titular para outro. Tradicionalmente, as licenças ou autorizações de lugares de feira são títulos pessoais e precários, emitidos ao feirante em nome individual, não sendo livremente alienáveis como se de propriedade privada se tratassem.
No entanto, muitos regulamentos municipais preveem – e bem – situações em que, por equidade, se permite a continuidade da atividade por outra pessoa, sem obrigar a que o lugar seja imediatamente revertido ao Município para novo concurso.
A proposta de nova redação do art. 19.º alarga e detalha essas situações, com o claro propósito (enunciado na Nota Justificativa) de permitir a transmissão em casos de morte, invalidez ou outro motivo atendível do titular, beneficiando cônjuge, unido de facto, descendentes ou ascendentes do 1.º grau.
Especificando a redação sugerida para o artigo 19.º:
- º 1: Prevê que em caso de morte, invalidez ou outro motivo atendível do titular do direito de ocupação, este pode ser transmitido a determinadas pessoas do seu círculo familiar próximo – cônjuge, pessoa em união de facto, descendentes e ascendentes do 1.º grau em linha reta, por esta ordem de prioridade – desde que requeiram e comprovem tal transmissão no prazo máximo de 60 dias após o evento que lhe dá origem. Ou seja, abre-se a porta para que, por exemplo, um filho continue o negócio do pai feirante falecido, herdando o lugar, desde que o faça dentro de dois meses e apresente prova da sua qualidade e da ocorrência (óbito, ou atestado de invalidez do pai, etc.). Inclui-se ainda uma cláusula genérica outro motivo atendível – possivelmente abrangendo casos como doença súbita grave (ainda que não juridicamente invalidez permanente) ou emigração forçada, etc., em que o titular original não possa continuar.
- º 2: Permite que o direito seja transmitido para uma sociedade comercial, desde que tal sociedade seja constituída pelas pessoas referidas no n.º 1. Em termos práticos, isto quer dizer que, se a família do feirante preferir explorar o lugar através de uma pessoa coletiva (por exemplo, criar uma pequena empresa familiar, Lda.), pode fazê-lo, contanto que os sócios dessa empresa sejam o cônjuge, filhos, etc., do feirante original. É uma forma de acomodar evoluções de modelo de negócio (passar de empresário em nome individual para sociedade) sem fugir ao âmbito familiar previsto.
- º 3: Estabelece que o pedido de transmissão deve ser fundamentado pelo feirante, explanando as razões da solicitação e acompanhado de documentos comprovativos dessas razões. Aqui notamos que, pelo menos em casos de morte ou invalidez, o próprio titular pode já não estar em condições de requerer (no óbito, claramente não; na invalidez, depende). Provavelmente, interpretará que feirante, nesse contexto, abrange também o potencial transmissário legitimado que faz o requerimento. Em todo caso, é um reforço de formalidade: requer-se um procedimento administrativo instruído, garantindo a seriedade do processo.
- º 4: Sujeita o averbamento (registo formal) da transmissão ao pagamento de taxas devidas, conforme tabela de taxas municipal aplicável. Ou seja, a transferência não é gratuita em termos administrativos – há uma taxa de alteração/averbamento que o interessado terá de pagar, o que é comum em todo o tipo de licenças (custa dinheiro passar a titularidade de um direito de ocupação).
- º 5: Prevê que, decorridos 60 dias do fato que originou a impossibilidade (morte, invalidez, etc.) sem que nenhum dos familiares legitimados invoque o direito à transmissão, o direito de ocupação caduca, considerando-se vago o respetivo espaço de venda. Isto funciona como prazo de caducidade do próprio direito de requerer a transmissão: se a família não se manifestar nesse período, o Município recupere o lugar para o seu disponível.
Em complemento, a alteração ao artigo 20.º (que veremos a seguir) adiciona exatamente esta hipótese à lista de causas de caducidade, para coerência.
Análise dos impactos para os consumidores/utentes:
À primeira vista, esta alteração focaliza-se nos direitos dos feirantes e seus familiares, e pode parecer que toca pouco nos interesses do consumidor final. Afinal, trata de quem fica com o lugar de venda quando o titular original sai de cena. No entanto, as repercussões indiretas sobre os consumidores existem e são dignas de apreciação sob os prismas da continuidade do serviço, qualidade e até preços:
- Continuidade e regularidade do comércio: A principal vantagem da regra de transmissão familiar é evitar a extinção imediata de uma banca ativa na feira, no caso de falecimento ou incapacidade do titular. Para os consumidores assíduos da feira, isto é muito relevante. Considere-se o cenário de um feirante popular, com clientela fiel (por ex., uma banca de produtos regionais muito procurada). Se o feirante morre sem possibilidade de transição, o seu lugar ficaria vago e sujeito aos trâmites normais de atribuição a terceiros (que podem demorar, implicar concurso ou lista de espera). Durante esse hiato, os consumidores ficam privados daqueles produtos específicos ou daquela relação comercial de confiança. Com a nova previsão, é possível que um familiar assuma o posto quase de imediato, minimizando a interrupção na oferta. O consumidor verá, possivelmente, a banca reaberta pelo cônjuge ou filho do antigo feirante, mantendo o negócio em funcionamento (muitas vezes já se trata de empresas familiares de qualquer forma, onde o cônjuge e filhos até ajudavam). Isto assegura uma transição suave, sem o trauma de perda de um fornecedor habitual. Em termos de regularidade de serviço, é claramente positivo: a feira não perde repentinamente um participante, o que contribui para estabilidade do conjunto de vendedores que os utentes encontram semana a semana.
- Qualidade e confiança: Na medida em que permite que quem já conhece o negócio dê continuidade, a transmissão tende a preservar os padrões de qualidade já estabelecidos. O familiar que assume o lugar provavelmente continuará a vender os mesmos produtos e a ter os mesmos fornecedores e métodos que o titular anterior – pelo menos inicialmente – mantendo assim um nível qualitativo consistente. Para os clientes, há continuidade na relação de confiança: sabem que aquele stand permanece “em família”, podendo esperar tratamento semelhante. Por outro lado, caso não houvesse transmissão e entrasse um estranho mediante novo procedimento concursal, poderia até dar-se uma melhoria (um novo empreendedor mais dinâmico) – mas também poderia significar perda de qualidade se o substituto não estivesse à altura ou estivesse verde na atividade. Aqui o regulador optou por valorizar a tradição e o saber-fazer acumulado, o que, em se tratando de feiras locais (muitas vezes com negócios familiares geracionais), é compreensível e pode ser visto como proteção do caráter e qualidade típicos da feira, do qual os consumidores também usufruem.
- Diversidade renovação: Um possível contra-argumento sob a ótica dos consumidores é que esta regra reduz a renovação e abertura a novos operadores, podendo limitar a diversidade no longo prazo (sempre as mesmas famílias a ocupar os mesmos lugares). No entanto, repare-se que a transmissão não é automática nem garantida incondicionalmente: só abrange familiares próximos e exige um motivo justificativo (morte/invalidez) – não se trata de permitir a um feirante saudável “passar” o lugar a outrem a seu bel-prazer, ou vendê-lo no mercado negro. O regulamento continua a preservar a ideia de que o lugar não é propriedade do feirante; ele apenas pode ser continuado por familiares em circunstâncias especiais e dentro de prazo curto, sob pena de caducar o direito. Isto evita, por exemplo, que alguém retenha o lugar anos sem usar, esperando vendê-lo: ou se ativa a transmissão em 60 dias ou “adeus”. Dessa forma, protege-se também o interesse público e do consumidor em evitar a estagnação ou feudalização dos espaços de feira. As bancas não se tornam “heranças vitalícias” incondicionais – apenas se assegura a sucessão legítima quando há vontade e necessidade imediata. Caso contrário, se a família não quiser ou não puder continuar, aí sim, o lugar fica livre para ser atribuído a um novo feirante, potencialmente trazendo novidade à feira. Em suma, a medida equilibra a continuidade com a possibilidade de renovação: dá prioridade à continuidade se dentro do núcleo familiar alguém tiver interesse; se não, liberta a vaga. Do ponto de vista dos consumidores, ambos os cenários podem ter vantagens – ou continua a banca já conhecida (vantagem: confiança e consistência), ou entra sangue novo (vantagem: eventual inovação ou variedade). O importante é que o processo seja célere e claro e o prazo de 60 dias contribui para isso.
- Proteção dos interesses económicos dos consumidores: A manutenção de uma banca ativa, mesmo com novo titular, contribui para a concorrência e para evitar subida de preços. Imagine-se que sem esta norma, em caso de falecimento de um feirante de um setor com pouca oferta (digamos, só havia 2 bancas de charcutaria e uma encerra por óbito), a restante banca de charcutaria ficaria sozinha no segmento – uma espécie de mini-monopólio temporário – o que nunca é desejável do ponto de vista do consumidor. Com a transmissão, a probabilidade é que a banca continue operada pela família, mantendo-se assim o mesmo número de operadores naquele segmento, sem dar azo a concentrações de mercado. Adicionalmente, permite-se que investimentos feitos pelo feirante original não se percam: por exemplo, melhorias na banca, equipamentos, clientela formada – tudo isso é aproveitado pelo sucessor. Evita-se o desperdício económico que ocorreria se cada falecimento implicasse recomeçar do zero com outro feirante. A eficiência económica em mercados tradicionais beneficia também o consumidor em última instância (preços mais racionais, continuidade da cadeia de suprimento, etc.).
- Princípio da transparência e equidade: O regulamento, ao explicitar estas regras, traz transparência também na gestão de expectativas dos feirantes e do público. Todos passam a saber que, em caso de força maior, há um processo definido para a substituição do vendedor. Isso evita tensões e rumores. Por exemplo, um consumidor que souber do falecimento de um feirante poderá perguntar-se: “será que a banca X acabou para sempre?” Com a norma aprovada, a própria Câmara pode comunicar: “Haverá continuidade, o filho do senhor assumirá a banca na próxima semana, dado ter requerido a transmissão dentro do prazo legal.” Trata-se de uma mensagem positiva de estabilidade. Do ponto de vista da proteção jurídica dos consumidores, insere-se naquele direito de participação e de boa administração: as coisas não acontecem ocultamente ou por favoritismo, mas sim segundo regras publicadas e conhecidas. Aliás, é coerente com o direito à participação do consumidor na definição administrativa dos seus interesses o facto de a DGC ou associações de consumidores serem ouvidas – certamente, do ponto de vista do consumidor não há objeções a que as bancas continuem em família, desde que isso não degrade o serviço prestado. Poderia haver preocupação do consumidor se, por exemplo, a transmissão permitisse a entrada de alguém sem experiência que prestasse um mau serviço; mas, francamente, isso seria um problema também se o lugar fosse a concurso – não há garantias absolutas de qualidade. Ao menos, com a sucessão familiar, presume-se uma transmissão de conhecimento e compromisso com a clientela pré-existente.
Embora não tenhamos um caso concreto para citar, sabe-se que regulamentos semelhantes de outros municípios já foram objeto de apreciação e tem sido pacificamente aceite como legítimas as limitações e condições à transmissibilidade dos espaços de feira, justamente para evitar a sua mercantilização descontrolada. Ao mesmo tempo, reconhece-se que permitir a um familiar dar seguimento à atividade do falecido não fere qualquer princípio legal, antes concretiza princípios de justiça material e de proteção da atividade económica familiar.
Julgamos que a Direção-Geral do Consumidor, que deveria igualmente ser ouvida, também não se deve opor a estas soluções de transmissão condicionada, desde que as mesmas não impeçam a concorrência leal.
No caso vertente, as condições impostas (grau de parentesco, prazo curto, comprovação) asseguram que não haja abuso. Por exemplo, evita-se que um feirante transmita o lugar a um terceiro completamente alheio aos consumidores da feira – somente alguém da sua família imediata poderá entrar. Do ponto de vista do consumidor local, isso até oferece uma certa garantia de familiaridade: muitas vezes, os clientes conhecem a família do feirante de vista, e a continuidade é bem acolhida na comunidade.
Conclusão sobre o art. 19.º: A alteração reforça a previsibilidade e a resiliência do quadro de comerciantes da feira. Para os consumidores, isso traduz-se em feiras mais estáveis, onde mesmo eventos infelizes não resultam necessariamente em perda de opções de compra.
Ganha-se em humanidade sem perder em eficiência.
O regulador municipal equilibrou a manutenção da ordem pública (impondo requisitos e prazo) com a proteção dos pequenos negócios familiares, que por sua vez beneficia o interesse do consumidor em manter acesso à mesma qualidade de produtos e serviços já estabelecida.
Talvez se possa apontar que, de certo modo, se institucionaliza um pequeno “direito sucessório” no âmbito das feiras – quem diria, uma herança de banca de feira! – mas trata-se de um “nepotismo” benigno e regrado, que não lesa o interesse público nem os consumidores. Antes pelo contrário, evita traumas desnecessários e honora o princípio de confiança: a confiança legítima de que um projeto comercial de anos não se perde de um dia para o outro e a confiança dos consumidores naquela continuidade.
Desde que haja fiscalização para coibir transmissões simuladas ou abuso do conceito de motivo atendível, a medida insere-se adequadamente numa política de apoio à qualidade e regularidade dos serviços no comércio ambulante, em consonância com a boa prática já verificada noutros municípios.
Artigo 20.º – Caducidade (Nova causa de extinção do direito de ocupação)
Por fim, a alteração ao artigo 20.º é de natureza consequencial em relação à do artigo 19.º.
O artigo 20.º elenca as situações em que o direito de ocupação do lugar de feira caduca (ou seja, termina automaticamente, retirando-se a licença ao feirante). A proposta inclui acrescentar uma alínea h) ao n.º 1 do art. 20.º, estipulando como causa de caducidade as situações previstas no n.º 1 conjugado com o n.º 5 do artigo anterior.
Traduzindo: a partir de agora, se ocorrer morte, invalidez ou outro motivo atendível do feirante (art. 19.º, n.º 1) e ninguém dos legitimados requerer a transmissão no prazo de 60 dias (art. 19.º, n.º 5), então o direito caduca.
Em suma, formaliza-se que a não ativação atempada da transmissão resulta na extinção da autorização do lugar, tornando-o devoluto para a Câmara.
No mais, mantêm-se as demais alíneas a) – g) do artigo 20.º como estão.
O n.º 2 do art. 20.º também permanece com a redação atual.
Significado para os consumidores: Esta alteração é principalmente técnico-jurídica, para coerência interna do regulamento.
Do ponto de vista dos consumidores da feira, ela traz clareza: deixa “preto no branco” que, se não houver herdeiro do lugar interessado ou idóneo, aquele posto de venda será considerado vago e poderá ser ocupado por um novo feirante. Isso é importante porque evita indefinições. Imagine-se que sem esta norma, alguém poderia argumentar que o lugar de um feirante falecido fica num limbo – nem há transmissão nem caducidade expressa. Isso poderia atrasar a atribuição a um substituto, prejudicando a oferta da feira. Agora não: após 60 dias sem pedido válido, a licença extingue-se automaticamente, permitindo à organização agir rápido para preencher a vaga, seja chamando o próximo da lista de espera, seja abrindo inscrição para aquele lugar.
Os consumidores, assim, não ficarão sem aquele espaço ativo por muito tempo – a norma dá base para renová-lo. Em suma, ou fica na família (se requerida a tempo) ou sai definitivamente, mas não fica “morto-vivo”.
Além disso, esta inserção reforça a transparência para todos os interessados: os próprios familiares do feirante sabem que há um prazo fatal para decidir e os outros comerciantes e público sabem que, expirado o prazo, haverá oportunidade para um novo comerciante entrar. Isso coaduna-se com a ideia de previsibilidade das regras do jogo, evitando quer perpetuação indevida, quer perda prolongada de oferta.
Para o consumidor, essencial é que o lugar não fique eternamente vazio ou em disputa; com a caducidade bem definida, afasta-se esse risco.
No que toca à proteção dos interesses económicos dos consumidores e qualidade dos serviços, esta norma assegura que nenhuma banca fica indefinidamente fechada sem solução. Ou seja, garante a manutenção do número de operadores na feira no nível ótimo possível. Sempre que um sai e ninguém habilitado entra, rapidamente o lugar pode ser redistribuído.
Isso significa que os consumidores não padecerão de lacunas prolongadas – a rotatividade saudável é preservada.
Por outro lado, envia-se também um sinal de rigor e boa gestão: o Município não deixará “feudos” de lugares reservados sem uso; ou se transmitem conforme as regras ou revertam ao domínio público.
Essa postura séria favorece os consumidores, ainda que de forma difusa, pois traduz-se numa feira mais dinâmica e aberta.
Considerações finais sobre a alteração global (arts. 19.º e 20.º): Em sede de visão macro, as mudanças nos artigos 19.º e 20.º, combinadas, conciliam o interesse privado (família do feirante) com o interesse público (renovação do mercado). Para os consumidores, isso significa que a feira conjugará continuidade de certos operadores com eventual entrada de outros, conforme as circunstâncias, sem ficar emperrada. Tal equilíbrio corresponde também ao princípio da proteção dos interesses económicos numa aceção ampliada: protege-se o micro-tecido empresarial local (famílias de feirantes) e, reflexamente, protege-se o consumidor de efeitos adversos quer de interrupções abruptas quer de falta de renovação.
Em tom ligeiramente divertido, poderíamos afirmar que a Câmara Municipal cobre, assim, todas as hipóteses: “ou há transmissão ou há caducidade; tertium non datur”. Não há espaço para confusão – o que denota boa técnica legislativa. Até mesmo a referência cruzada (n.º 1 com n.º 5 do artigo anterior) foi cuidadosamente inserida, zelando pela coerência textual do regulamento. Essa diligência formal traduz respeito pelos administrados e pelos princípios da segurança jurídica e transparência, o que, em última instância, também faz parte da proteção do consumidor enquanto cidadão (um regulamento claro é mais facilmente compreendido e aceite por todos).
Enquadramento Histórico e Perspetiva do Direito do Consumidor
As alterações propostas não surgem num vácuo: refletem tendências evolutivas na regulação das feiras em Portugal e uma crescente atenção às boas práticas administrativas e de defesa do consumidor neste domínio tradicional do comércio.
Historicamente, as feiras livres eram regidas de forma pouco uniforme, muitas vezes por posturas municipais antigas ou regulamentos dispersos.
Com a intensificação da consciência dos direitos dos consumidores a partir dos anos 90 (Constituição de 1976, art. 60.º, Lei 24/96) e com as orientações europeias (Diretiva de Serviços 2006/123/CE, Diretivas de defesa do consumidor etc.), as autarquias foram chamadas a atualizar os seus regulamentos.
Princípios como transparência, não discriminação, proteção da saúde e segurança dos consumidores tornaram-se norteadores também para o comércio local ambulante.
Por exemplo, é hoje pacífico que em qualquer feira os preços dos produtos devem estar afixados e os comerciantes devem facultar Livro de Reclamações tal como qualquer estabelecimento comercial – obrigações essas decorrentes de leis gerais do consumidor e que as câmaras municipais fiscalizam em conjunto com a ASAE.
No caso concreto de Santo Tirso, vimos que já em 2008 se iniciara um processo de consulta pública para um regulamento da feira e em 2017 finalmente se aprovou um texto consolidado. Essa aprovação coincidiu temporalmente com a entrada em vigor do RJACSR (D.L. 10/2015), que abrange a atividade de feirante, o street food, mercadinhos, etc., exigindo simplificação de licenças e procedimentos.
O RJACSR, no n.º 3 do seu artigo 70.º (Regulamento Interno), impõe a audição das associações representativas do setor e dos consumidores na preparação destes regulamentos, o que justifica estarmos, neste momento, a emitir este parecer em nome de uma associação de consumidores – é, também, na realidade, o cumprimento do direito (mas não obrigação) de participação dos consumidores (consagrado no art. 3.º, al. h) da Lei 24/96).
Este facto merece aplauso: demonstra que o Município de Santo Tirso está atento à obrigatoriedade legal de envolver os stakeholders, reforçando a legitimidade democrática e o equilíbrio das normas propostas.
A Direção-Geral do Consumidor (DGC), órgão estatal vocacionado para zelar pelos direitos dos consumidores, tem acompanhado estas matérias, ainda que sem intervenções públicas muito visíveis no caso das feiras.
Contudo, entendemos que a DGC e a Direção-Geral das Atividades Económicas deverão ser consultadas e eventualmente poderão emitir orientações internas para que os regulamentos municipais de feiras não olvidem a vertente da proteção do consumidor, recomendando, por exemplo, que se incluam normas sobre higiene e segurança alimentar, limpeza do recinto, cumprimento da legislação de defesa do consumidor por parte dos feirantes (como a obrigatoriedade de emissão de fatura ou recibo quando solicitado, a existência de livro de reclamações, etc.).
A regulamentação local deve articular-se com o quadro legal nacional e não substituí-lo – por isso mesmo, não vimos nestas alterações nenhum ponto referente a esses assuntos, apesar do regulamento de 2017 já os contemplasse (seria ainda assim bom haver um artigo impondo o respeito pela Lei das Atividades Económicas, pelo Decreto-Lei do Livro de Reclamações, etc.).
Julgarmos ser consensual de que os direitos dos feirantes sobre os lugares que ocupam não são absolutos, mas sim situações jurídicas de caráter precário e regulamentado. Pelo que não se vê qualquer entrave legal a que as câmaras possam legalmente extinguir ou não renovar licenças de venda ambulante por razões de interesse público, desde que respeitem o contraditório e a proporcionalidade.
Assim, a previsão expressa de caducidade no art. 20.º (incluindo a nova al. h)) dá força regulamentar a uma prerrogativa que a Câmara já teria mesmo que exercer: declarar extinto um direito quando se esgotam os pressupostos que o mantinham (no caso, o falecimento do titular sem sucessor).
À luz do exposto, emitimos as seguintes conclusões quanto às alterações propostas ao Regulamento de Funcionamento da Feira Municipal de Santo Tirso:
- Feirantes não são “consumidores” em termos legais, mas os regulamentos que os regem devem refletir indiretamente preocupações de defesa do consumidor: Clarificámos que, segundo o direito português (art. 2.º da Lei 24/96) e europeu (Diretiva 2011/83/UE), os feirantes, na qualidade de profissionais, não se qualificam como consumidores relativamente às transações e atividades que desenvolvem no âmbito da feira. Portanto, as proteções específicas do direito do consumo não se aplicam às relações entre Município e feirantes ou entre fornecedores grossistas e feirantes. Todavia, os consumidores finais – utentes da feira – são o público a proteger no resultado final. As alterações propostas, embora focadas na dinâmica interna da feira (taxas, gestão de lugares, calendário, sucessão de direitos), acabam por repercutir-se na experiência e interesses dos consumidores, pelo que devem ser avaliadas também sob esse prisma.
- Alteração do Artigo 4.º (isenção de taxa por doença prolongada do feirante) – Parecer: Trata-se de medida socialmente justa e que não prejudica os consumidores; antes os beneficia indiretamente, garantindo maior continuidade na oferta da feira. Ao isentar temporariamente de taxas o feirante impedido de trabalhar por doença grave, evita-se que ele abandone a atividade e que a feira perca uma banca de forma definitiva. Os consumidores colhem vantagem na manutenção, a longo prazo, de um comércio diversificado e completo. A medida respeita os princípios da transparência (critérios claros, requerimento obrigatório) e da proporcionalidade (limite de 12 meses), não se vislumbrando impacto negativo. Apenas se sugere atenção administrativa para que lugares vacantes por doença não se multipliquem sem controlo – mas isso escapa à letra da norma em si, sendo questão de gestão. Globalmente, concordamos com a alteração, que consideramos pro-consumidor de forma mediata e alinhada com o princípio da solidariedade sem encargos excessivos.
- Alteração do Artigo 9.º (realização da feira às segundas-feiras, incluindo feriados, com exceção de Natal e Ano Novo) – Parecer: Julgamos esta alteração altamente positiva para os consumidores. Ela crava no regulamento um compromisso de regularidade e previsibilidade do qual os consumidores são os principais beneficiários: saberão que a feira semanal não falha, salvo nas exceções inevitáveis, e mesmo nestas é antecipada. Isto promove o direito à informação e à previsibilidade nas relações de consumo. Além disso, a manutenção da feira em feriados comuns evita perdas de bem-estar ao público que depende desse canal de compras. É uma decisão que conjuga o respeito pelas tradições (não haver feira no dia de Natal/Ano Novo é compreensível) com a garantia do serviço público económico contínuo. A leve redução do horário nos casos de antecipação parece equilibrada. Aplaudimos, portanto, esta alteração, que vai ao encontro do princípio da proteção dos interesses económicos dos consumidores (assegurando acesso ininterrupto ao mercado local) e reforça a transparência do regulamento. Em termos de técnica legislativa, a norma está clara e elimina ambiguidades – algo sempre recomendável.
- Alteração do Artigo 15.º (dois espaços de venda por feirante, contíguos e no mesmo setor) – Parecer: Consideramos a clarificação introduzida acertada e sem prejuízo para os consumidores. Ao contrário, ao impedir que um feirante disperse lugares pela feira ou atue em setores diferentes, protege-se a organização lógica do mercado e evita-se possível confusão do consumidor. A possibilidade de ocupação dupla apenas quando há vagas é sensata e garante que não se sacrifica a diversidade de operadores em prol de “latifúndios” comerciais – nesse ponto, resguarda-se o interesse do consumidor em variedade e concorrência. Caso haja lugares sobrantes, permitir a sua ocupação otimiza recursos e mantém a feira preenchida, o que beneficia a atratividade para o público. Dito de forma simples, a alteração equilibra eficiência e pluralismo, e fá-lo com critérios objetivos (contiguidade, homogeneidade de produtos) que promovem transparência. É, assim, uma alteração meritória. Eventualmente, poder-se-ia no futuro avaliar o impacto desta medida no terreno – se muitos feirantes tenderão a pedir segundos lugares e como isso afeta a oferta – mas à partida o desenho normativo parece correto e favorável a um melhor serviço ao consumidor (mais produtos, feira sem espaços vazios, disposição ordenada).
- Alteração do Artigo 19.º (transmissão do direito de ocupação em caso de morte/invalidez do titular) – Parecer: Acolhemos esta alteração como positiva, dentro de certos limites, para os consumidores e para a estabilidade do mercado ambulante. Ela protege a continuidade de bancas existentes e, portanto, a continuidade da oferta ao público, permitindo que familiares prossigam a atividade sem quebra. Do ponto de vista do consumidor, isto preserva relações de confiança e qualidade já estabelecidas, bem como impede reduções abruptas na concorrência dentro da feira. A exigência de grau de parentesco próximo e prazo curto impede abusos e assegura que a sucessão seja legítima e rápida, ou então se liberte o lugar para novos interessados – ambas as saídas salvaguardam o interesse do público em não ver espaços parados. A medida também está conforme o princípio da proporcionalidade: limita um direito (intransmissibilidade da licença) apenas na medida necessária para atender a situações humanamente atendíveis. Não identificamos qualquer lesão aos consumidores – pelo contrário, ganham com a resiliência do tecido comercial local. Poder-se-ia arguir que diminui a renovação, mas como explanado, se não houver quem continue, o lugar fica livre; e se houver, é porque provavelmente manterá um serviço apreciado pelos clientes. Somos, pois, favoráveis a esta alteração, entendendo que ela concretiza, a nível micro, a proteção dos interesses económicos dos consumidores ao evitar a perda súbita de um fornecimento, e respeita a lógica do direito do consumo de reforçar a confiança e a continuidade das relações de mercado.
- Alteração do Artigo 20.º (caducidade pelo não exercício do direito de transmissão) – Parecer: Esta é uma mudança complementar indispensável, que assegura coerência ao regime e promove a transparência. Sem ela, a alteração anterior ficaria manca. Concordamos integralmente: a introdução da alínea h) no art. 20.º fecha o ciclo do procedimento de transmissão, deixando claro para todos que, ausente pedido válido em 60 dias, o direito cessa. Isso evita confusões e permite a pronta disponibilização do lugar a outrem, o que é benéfico para o consumidor (minimiza tempos mortos de ausência de oferta). É, portanto, uma alteração técnica, mas com reflexos práticos na qualidade e regularidade do serviço oferecido pela feira – pois evita indefinições que poderiam prejudicar a reposição do comércio num dado espaço. Em termos de direitos do consumidor, tangencia o direito a uma administração eficiente e transparente, que embora não conste literalmente da Lei 24/96, decorre dos princípios gerais e também do direito à participação: saber que regras regem os mercados que frequentam. Concordamos e elogiamos a inclusão desta causa de caducidade, alinhada com a boa gestão e interesse público.
- Perspetiva geral: No conjunto, as alterações projetadas não só não ferem nenhum interesse ou direito dos consumidores, como em vários aspetos os promovem ativamente. Nota-se que o enfoque principal foi disciplinar a organização interna da feira – calendário, ocupação de espaços, gestão de ausências e transmissões – matérias que, à primeira vista, dizem respeito aos feirantes e à Câmara. Porém, a boa organização redunda sempre em benefício do utilizador final, neste caso o consumidor que frequenta a feira. Regras claras e justas produzem um ambiente comercial confiável, onde há transparência (no funcionamento e na transição de bancas), previsibilidade (na realização das feiras e manutenção das bancas) e proteção indireta do consumidor (via continuidade do abastecimento e da concorrência). Convém realçar que nenhuma destas alterações implicou retrocesso em termos de direitos do consumidor – por exemplo, não se propôs nada que limitasse garantias ou informações ao comprador na feira; não, o consumidor final não perde nada com estas mudanças, só tem a ganhar em termos de qualidade da organização.
- Sugestões e notas críticas subtis: Se alguma crítica se pode apontar ao projeto, talvez seja o facto de todas as alterações incidiram no plano da relação Câmara-feirantes, e nenhuma diretamente na relação feirante-consumidor. Poder-se-ia aproveitar a oportunidade para reforçar, no regulamento, disposições que beneficiem explicitamente o consumidor – por exemplo, reiterando a obrigatoriedade de cumprimento da legislação de segurança alimentar na venda de comidas na feira, etc. No entanto, reconhecemos que grande parte dessas matérias já está coberta por legislação nacional horizontal; e este regulamento é, por natureza, um instrumento de gestão do espaço público, não um “código de defesa do consumidor” específico da feira. Assim, não vemos omissões graves – apenas poder-se-ia, didaticamente, acrescentar eventualmente uma cláusula remissiva para o cumprimento das leis de defesa do consumidor e outras que nessa égide se imponham. Mas isso em nada invalida o mérito das alterações em apreço. Numa perspetiva de interesse do consumidor, as alterações são bem-vindas, ainda que modestas. Não representam uma revolução, mas otimizam o existente. Como a própria Nota Justificativa admite, são novas regras disciplinadoras necessárias face à requalificação do recinto da feira e não acarretam quaisquer despesas adicionais para o Município – sublinhado burocrático que, embora irrelevante para o consumidor, indica que não haverá custos indiretos a repercutir (por exemplo, um aumento de taxas que pudesse refletir-se em preços).
- Recomendações finais: É aconselhável que, depois de aprovado o regulamento alterado, o Município divulgue amplamente estas novas regras junto dos feirantes e também, no que couber, junto dos consumidores (por exemplo, informar o público dos novos horários quando aplicável, das regras de substituição em caso de falecimento de um feirante, etc., para evitar rumores e expectativas frustradas). Também sugerimos que a Câmara mantenha canais de diálogo abertos com as associações de feirantes e de consumidores para monitorizar a implementação destas alterações – caso se verifiquem efeitos indesejados ao nível da satisfação dos utentes da feira, poder-se-ão calibrar procedimentos. A presente consulta pública, de resto, é prova desse diálogo necessário.
Em jeito de epílogo, pode afirmar-se que a proposta de alteração ao Regulamento da Feira Municipal de Santo Tirso vai ao encontro dos princípios basilares do direito do consumo e da boa administração: promove a transparência das regras, acautela a previsibilidade e continuidade de um serviço de interesse económico local e protege interesses económicos dos consumidores (ainda que de forma indireta, mas efetiva) ao assegurar que a feira – espaço tradicional de consumo – funcione de forma regular, estável e diversificada. Tudo isto sem deixar de lado a justiça para com os feirantes, reconhecendo-os como parceiros indispensáveis nessa equação de satisfação do consumidor.
Em conclusão, somos de parecer favorável às alterações propostas, entendendo que estão devidamente justificadas e conformes ao ordenamento jurídico português e europeu, não enfermando de ilegalidade e traduzindo-se num aprimoramento do quadro regulatório existente, em benefício de todos – administração, vendedores e público consumidor.
Termos ex vi supra, formulamos parecer positivo, sugerindo a aprovação das referidas alterações e a contínua vigilância quanto à sua aplicação prática, sempre orientada pelos princípios da defesa do consumidor e da boa administração pública.