LESADOS VODAFONE
O Supremo Tribunal de Justiça português ("STJ") condenou a Vodafone Portugal a restituir aos autores populares os pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da activação automática de serviços adicionais não solicitados.
Em resultado dessa sentença proferida em acórdão do STJ, todos os clientes ou ex-clientes da Vodafone Portugal a quem foram cobrados montantes relativos a serviços adicionais não solicitados, nomeadamente, mas não exclusivamente, os serviços de dados extra (i.e. pacotes extra de Internet móvel), serviços de voz extra, serviços de conversão de voz para texto, podem exigir diretamente à Vodafone a restituição imediata desses valores indevidamente cobrados. Isto porque a sentença supra referida, proferida no âmbito de uma ação popular, é aplicável a todos os titulares dos interesses em causa (clientes e ex-clientes da Vodafone) que não se tenham excluído da aludida ação popular, tal como decorre do artigo 15 (1) in fine da Lei 83/95.
Perguntas & Respostas
O pedido formulado na ação popular 22640/18.1T8LSB.L1.S1, decidida pelo STJ, foi o seguinte:
a) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a não pagarem por serviços que não tenham prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constituam cumprimento de contrato válido;
b) Que a todos os clientes da R, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a recusarem contratar serviços adicionais de telecomunicações.
c) Que a R. seja impedida de deduzir a partir de opções estabelecidas por defeito que o consumidor consentiu a prestação dos serviços adicionais de telecomunicações por falta de recusa expressa dos mesmos e em consequência ativar por defeito e automaticamente tais serviços extras;
d) Que a todos os clientes da R., consumidores de serviços de telecomunicações móveis, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito ao reembolso do pagamento adicional por serviços dos quais não consentiu expressamente mas que a R. o tenha deduzido a partir de opções estabelecidas por defeito que os clientes devessem recusar para evitar o pagamento adicional;
e) Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré;
f) Que sejam declaradas como clausulas contratuais proibidas e consequentemente nulas qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c), nomeadamente seja considerada uma cláusula contratual proibida aquela que impõe a obrigatoriedade ou a não possibilidade de recusa da contratação de serviços adicionais extra, nos termos e para os efeitos do artigo 12º e 24º DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE;
g) Caso não proceda o pedido em f) que sejam declaradas como clausulas contratuais gerais contrárias à boa fé qualquer cláusula contratual que contrarie o direito peticionado no pedido a) e ou b) e ou c) nos termos do artigo 15º do DL 446/85 de 25 de Outubro e da diretiva 93/13 CEE e que concomitantemente sejam consideradas proibidas nos termos e para os efeitos do artigo 25º do DL 446/85, de 25 de Outubro.”
A sentença proferida por acórdão do STJ (processo 22640/18.1T8LSB.L1.S1) em que foi relatora a Veneranda Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, e adjuntos os Venerandos Juízes Conselheiros Pedro de Lima Gonçalves e Fernando Samões, concluiu (sumário) e decidiu o seguinte:
I – Os contratos de adesão caraterizam-se pela predisposição unilateral e pela generalidade, cabendo apenas a uma das partes a sua pré-elaboração, sem prévia negociação com a outra, e destinam-se a ser subscritos por uma multiplicidade de contraentes potenciais.
II – Nos termos do artigo 9.º - A, n.º 2 e n.º 3, da Lei n.º 24/96, de 31-07, a obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais; nos casos em que a obrigação de pagamento adicional resultar de opções estabelecidas por defeito que tivessem de ser recusadas para evitar o pagamento adicional (ou que nem admitem a possibilidade de recusa), o consumidor tem direito à restituição do referido pagamento.
III - Uma remissão para o lugar da internet da Vodafone para mais informações (facto provado n.º 27) e um consentimento genérico e presumido, meramente formal, prestado no momento da adesão ao pacote, normalmente com informações sumárias prestadas ao telefone e sem fornecimento prévio do texto escrito do contrato, para reflexão, não são suficientes para permitir aos consumidores uma escolha consciente e para a obtenção de uma vontade esclarecida.
IV – Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efetivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal. V – O dever das empresas predisponentes é o de fornecerem, por escrito, um resumo do contrato, em linguagem clara, simples e facilmente percetível para os cidadãos comuns, onde se chama a atenção para as cláusulas que contêm riscos de prejudicar o cliente e de frustrar as suas expetativas.
VI – O conceito de boa fé como critério de validade das cláusulas contratuais gerais (artigo 15.º do Decreto-leo n.º 446/85, de 25-10) surge como externo ao contrato e à relação concreta estabelecida entre as partes, sendo fonte de limitação à liberdade contratual.
VII – A boa fé concretiza-se pelos critérios gerais fixados no artigo 16.º do citado diploma – a tutela da expetativa do aderente e o objetivo do contrato – e é objeto de tipificações legais exemplificativas do seu alcance que dão corpo a regras de proibição de conteúdo contratual (artigos 18.º, 19.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85), como contrapartida de um regime jurídico que atribui um poder inusitado ao predisponente de cláusulas contratuais gerais, contexto negocial que exige ao julgador um papel corretor e constitutivo da justiça contratual.
VIII – A Cláusula em litígio das Condições Gerais do contrato de adesão ao serviço fixo e/ou serviço móvel relativa à descrição do “Serviço de Acesso à Internet Móvel” dispõe o seguinte: “O serviço permite, ainda, utilizar um conjunto de serviços adicionais, como por exemplo a Opção Extra para os tarifários pós-pagos ou o acesso gratuito a Wi-Fi nos hotspots da Vodafone Portugal. Para mais informações sobre serviços adicionais consulte www.vodafone.pt ou ligue para o Serviço Permanente de Atendimento a Clientes 16912 (tarifa aplicável)”.
IX – A citada cláusula contraria as duas vertentes da boa fé – a tutela da confiança e a proibição do desequilíbrio significativo de interesses – porque introduzida num pacote de serviços com um preço, a troco de uma prestação principal, a que acrescem custos adicionais atípicos como contrapartida de serviços extra ativados automaticamente, sem que o consumidor tenha a possibilidade de recusar tais serviços.
X – Esta cláusula envolve riscos para os interesses económicos do aderente, desrespeita a autodeterminação e as expetativas deste e provoca, ainda, um desequilíbrio contratual significativo traduzido na circunstância de a ré, onerando os consumidores com custos adicionais com os quais estes não contam no seu orçamento familiar, obter um incremento injustificado nas suas margens de lucro.
XI – Assim, da aplicação conjunta dos artigos 15.º e 16.º do citado diploma, conjugados com a al. d) do artigo 19.º (cláusulas relativamente proibidas), que proíbe cláusulas que impõem ficções de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes, e com a alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei 24/96, resulta que a cláusula contratual geral em crise nestes autos é uma cláusula que contraria a boa fé e proibida pela lei.
Dispositivo:
Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré Vodafone, S.A., à restituição, aos autores populares, dos pagamentos adicionais que lhes tenham sido cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados.
A decisão já transitou em julgado.
As partes devem cumprir a sentença transitada em julgado. Em caso de incumprimento é possível requerer a execução da sentença por forma a obter o seu cumprimento de forma coerciva.
No caso concreto, a Vodafone não cumpriu a sentença nos exatos termos em que foi condenada, nomeadamente na parte em que foi condenada a restituir os pagamentos cobrados aos autores populares em virtude da ativação automática de serviços adicionais não solicitados.
A CITIZENS' VOICE deu entrada no dia 18.02.2022 com um pedido de liquidação de sentença (em requerimento à ação popular 22640/18.1T8LSB) nos seguintes termos:
(...) deve a presente liquidação ser julgada procedente, por provada, e:
A- Fixada globalmente a indemnização pela violação dos interesses dos titulares não individualmente identificados na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB, em montante igual aos pagamentos adicionais que lhes foram cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais, com exceção daqueles que a aqui requerida prove terem sido solicitados explicitamente pelos seus clientes ou ex-clientes [cf. artigo 22 (1) (2) da Lei 83/95];
B- Apurado o valor referido no pedido anterior por intermédio de uma perícia colegial à contabilidade de custos da ré e de outros elementos que se mostrem necessários para o efeito;
C- Apurado o valor referido no pedido A supra com referência ao período entre a entrada em vigor (na União Europeia) da diretiva 2001/83/EU (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB), o que aconteceu no vigésimo dia seguinte ao da publicação da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia (22.11.2011), portanto em 12.12.2011, e até à data do trânsito em julgado da sentença do acórdão proferido nesse mesmo processo, que ocorreu em 17.02.2022;
D- Ao valor apurado por intermédio dos pedidos anteriores, designadamente para efeitos de fixação da indemnização global e cumprimento do disposto no artigo 22 (5) da Lei 83/95, quando o direito de indemnização prescreva [cf. artigo 22 (4) da Lei 83/95], deve ser deduzido os montantes que a ré tenha entretanto devolvido, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes relativamente aos montantes pagos pelos serviços adicionais que o consumidor não consentiu expressamente (cf. peticionado na petição inicial na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB);
E- Sejam apurados os valores individualmente identificados na ação popular no processo 22640/18.1T8LSB, quer relativamente aos autores intervenientes, EDUARDO VIANA e OCTÁVIO VIANA e quer a todos os restantes autores populares, todos aqui requerentes, que até à presente data reclamaram junto da ré a devolução dos valores referentes aos pagamentos adicionais que lhes foram cobrados, em virtude da ativação automática de serviços adicionais, com exceção daqueles que a aqui requerida prove terem sido solicitados explicitamente pelos seus clientes ou ex-clientes;
F- Ordenado que os valores apurados por intermédio do pedido imediatamente anterior sejam devolvidos a cada um dos seus clientes ou ex-clientes que tenham reclamado junto da ré relativamente aos montantes pagos pelos serviços adicionais que não consentiram expressamente nos termos e para os efeitos do pedido formulado na petição inicial do processo supra identificado, designadamente para que a ré seja condenada a devolver, a cada um dos seus clientes ou ex-clientes, consumidores de serviços de telecomunicações móveis, incluindo os AA., os montantes relativos aos pagamentos adicionais efetuados por serviços dos quais o consumidor não consentiu expressamente, desde a entrada em força da diretitva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011 e que tal pagamento seja feito automaticamente por crédito nas contas correntes dos clientes junto da Ré quando tal seja possível ou por transferência bancária para as contas a serem indicadas por cada cliente ou ex-clientes que reclamem e que assim o pretendam em alternativa ao crédito em conta corrente junto da Ré, e sob pena de desobediência, com multa a ser fixada por Vossa Excelência, mas nunca inferior a cinquenta mil euros por cada dia de atraso no cumprimento do então ordenado por Vossas Excelência.
G- Ordenar a ré a publicar a decisão transitada em julgado, a suas expensas e sob pena de desobediência e com multa a ser fixada por Vossa Excelência por cada dia de atraso sob a data limite que lhe for fixada para proceder à aludida publicação, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente mais lidos pelo universo dos interessados, à escolha de Vossa Excelência, mas que desde já se sugerem o Expresso (jornal com maior circulação paga e de informação geral) e pelo Correio da Manhã (jornal com a segunda maior circulação paga dos jornais de informação geral), em letra de tamanho normal e dominante em toda a publicação, e com a menção, pelo menos, das conclusões, sumário, dispositivo e nome dos Venerandos Juízes Conselheiros subscritores da sentença proferida no douto acórdão do STJ.
O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em outubro de 2023, decidiu que a sentença proferida pelo acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça tem de ser liquidada em sentença.
O Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em 25.01.2024, confirmou a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de que a sentença tem de ser liquidada.
A liquidação de sentença é um procedimento que vai estabelecer os limites e a extensão da obrigação da Vodafone para com os consumidores lesados com a prática condenada pelo acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça. Ou seja, o tribunal de primeira instância vai ter de fixar a quantia que os consumidores lesados vão receber, assim como o modo como podem exigir esse pagamento.
Assim, os consumidores lesados vão ter de aguardar pela liquidação de sentença pelo tribunal. Logo que a liquidação for decidida informaremos, no sítio da internet e nas nossas redes sociais todos os consumidores lesados, de como podem ser ressarcidos dos valores cobrados.
Os nossos associados receberão essa informação também por mensagem de correio eletrónico para o endereço registado a quando a inscrição de associados.