Ação popular contra a Hermès nos EUA – “coercive tie selling”

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A Hermès está no epicentro de uma tempestade legal que está a captar a atenção tanto de entusiastas da moda de luxo como do mundo jurídico. Foi submetida uma ação coletiva contra a Hermés colocando em causa as práticas de venda da marca, especialmente em relação às suas muito procuradas malas Birkin e Kelly.

Entendimento das Alegações de Distorção da Equidade da Concorrência

Poder-se-ia pensar que, se tem o dinheiro para comprar, o produto é seu. No entanto, este não parece ser o caso para a Hermès Birkin e da Kelly Bag. No cerne da ação judicial estão alegações de que a Hermès adota práticas restritivas da concorrência, conhecidas como “coercive tie selling”.

O termo “coercive tie selling” refere-se à prática de vendas vinculadas coercivas, uma estratégia comercial considerada anti concorrencial e proibida na União Europeia. Esta prática verfica-se quando uma empresa, geralmente numa posição dominante no mercado, obriga os consumidores a comprar um produto (o produto “vinculado”) como condição para adquirir outro produto ou serviço desejado (o produto “vinculante”). Noutras palavras, o consumidor é coagido a comprar um bem ou serviço que talvez não queira ou não precise como pré-requisito para obter o bem ou serviço que realmente deseja. A Citizen’s Voice tem atualmente várias ações populares a correrem por forma a inibir essas práticas por grandes empresas, como a Vodafone (quando exige que os consumidores adquiram a linha fixa de telefone para lhes fornecer o serviço de internet por cabo)e a Ryanair (quando exige a compra do embarque prioritário e lugar reservado, para poder transportar uma mala de viagem).

Esta prática pode limitar a livre escolha do consumidor e distorcer a equidade concorrencial, pois impede que outros fornecedores que oferecem produtos similares ao produto “vinculado” concorram de maneira justa. A União Europeia, por intermédio de várias diretivas, proíbe estas praticas porque elas podem levar a um mercado menos competitivo, resultando em preços mais altos e menos opções para os consumidores.

Enquadramento Legal nos EUA

A ação coletiva supra referida foi intentada nos EUA, em concreto no Distrito Norte da Califórnia. Ali, aplica-se o “Sherman Act”, que é uma lei dos EUA que proíbe práticas monopolistas, assegurando que a competição não é restringida por meios ilegais. Por sua vez, o “Cartwright Act”, que é o equivalente na Califórnia ao “Sherman Act”, tem como objetivo  fomentar um ambiente de negócios competitivo.

A representante da classe no processo intentado na California argumenta que a prática da Hermès de exigir um “pré-gasto” significativo, onde os clientes precisam ter um histórico de compra de produtos ancilares antes de serem elegíveis para comprar uma mala Birkin ou Kelly, constitui uma “vinculação”, ou seja, é a tal prática de “coercive tie sellling”. Isto porque a venda de um produto (a Birkin ou Kelly) é vinculada (ou condicionada) à compra de outro produto separado (outros produtos da Hermès), o que é, manifestamente, uma distorção das condições de equidade da concorrência.

Experiência dos Representantes da Classe

Tina Cavalleri e Mark Glinoga, os representantes da classe nomeados na ação coletiva intentada nos EUA, detalham as suas tentativas falhadas de comprar uma mala Birkin diretamente da Hermàs. Apesar do substancial pré-gasto de Cavalleri e das repetidas tentativas de Glinoga de se envolver com a marca, ambos foram alegadamente orientados a fazer compras adicionais para se qualificarem para a oportunidade de comprar as malas desejadas.

Práticas de Venda da Hermès Sob Escrutínio

A ação coletiva supra referida ilustra perfeitamente a prática da Hermès, que supostamente inclui uma estrutura de comissão que incentiva os associados de vendas a promover produtos ancilares em detrimento das malas Birkins e Kellys. Esta prática, para além de restringir o acesso às malas, também pressiona indiretamente os clientes a gastar mais noutros produtos, violando as leis “antitrust” dos EUA, mas também as regras de concorrência da União Europeia que proíbem as práticas desleais.

Além da Mala

A controvérsia estende-se para além das malas em si, tocando nas estratégias de mercado mais amplas da Hermès e de outras marcas de retalho de luxo. As alegações sugerem que as táticas da Hermès podem contribuir para manter o seu estatuto e poder de precificação dentro do mercado de luxo, potencialmente à custa da competição justa e da escolha do consumidor.

O Caminho Para a Frente

À medida que este caso avança, promete oferecer insights sobre este tipo de práticas que a Citizens’ Voice muito se esforça para combater. Esperemos que este processo seja um marco para a Hermès e outras empresas que adotam este tipo de práticas ajustem as suas estratégias de venda rejeitando práticas que coloquem em causa as regras da concorrência.

No entanto, uma coisa é clara, o resultado desta ação judicial terá um impacto enorme nas várias empresas que, até agora, sem consequências, têm adotado este tipo de práticas.

Hermès Class Action

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