A confiança na justiça é indispensável para a harmonia social, a ordem pública e o progresso – acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães – Processo Pingo Doce
A confiança dos cidadãos na justiça é um pilar fundamental para a estabilidade e o bom funcionamento de qualquer sociedade. Esse sentimento de confiança é mais do que a crença na eficácia e na imparcialidade das decisões judiciais, pois acarreta também a perceção de que as leis são aplicadas de maneira justa e equitativa a todos as pessoas, independentemente de seu status social, económico ou político.
Quando a confiança na justiça prevalece, os cidadãos tendem a respeitar mais as leis e os regulamentos, pois acreditam existem para o bem comum. Isso promove uma coesão social mais forte, reduzindo conflitos e fomentando um ambiente onde o diálogo e a cooperação prevalecem sobre a disputa e a divisão. Uma justiça em que se pode confiar é também um desincentivo poderoso contra atos ilícitos, uma vez que os cidadãos acreditam que tais atos serão investigados e punidos de forma adequada e justa.
Por outro lado, a falta de confiança na justiça pode levar a uma série de consequências negativas para a sociedade. Quando as pessoas sentem que o sistema judicial é ineficiente, parcial ou corrupto, a sua legitimidade pode ser questionada, enfraquecendo o tecido social e minando a autoridade do Estado. Isso pode resultar num aumento dos ilícitos e até mesmo da criminalidade, pois os cidadãos podem sentir que precisam fazer justiça pelas próprias mãos ou que podem agir impunemente. Além disso, a desconfiança na justiça desencoraja o investimento e a inovação, já que os empresários e investidores podem temer que os seus direitos e propriedades não sejam adequadamente protegidos.
É inegável que a confiança na Justiça tem enfrentado desafios significativos nos últimos tempos, marcados por demoras excessivas nas decisões, as quais, por vezes, são complexas e difíceis de compreender na sua totalidade. Esses fatores, sem dúvida, contribuem para uma perceção de inacessibilidade e distanciamento entre a Justiça e o cidadão comum, o que pode erodir a confiança na garantia da aplicação do direito e da manutenção da ordem social.
No entanto, temos que confiar na Justiça, não só quando nos dá razão e/ou sufraga as nossas ideias e convicções, mas também quando, mesmo que decidindo contra elas e sem acolher as nossas pretensões, o faz de forma justa. A Citizens’ Voice, na defesa dos direitos dos consumidores, tem intentado diversas ações coletivas, do subtipo popular, e em resultado tem colhido várias e diversas decisões, nomeadamente de tribunais superiores, sejam as dos Venerandos Tribunais da Relação, ou sejam as do Colendo Supremo Tribunal de Justiça. Todas elas, sem exceção, têm sido justas, muito acertadas e robustamente fundamentadas. Existe uma notável preocupação dos tribunais consolidarem uma forte jurisprudência nos casos das ações populares e isso têm acontecido com grande mestria.
Mas hoje, 23.02.2024, fomos surpreendidos com um acórdão do Venerando Tribunal da Guimarães, no processo 5193/23.6T8GMR-A.G1, em que foi mui ilustre relator o Venerando Juiz Desembargador, Senhor Dr. Joaquim Boavida e adjuntas, as Venerandas Senhoras Desembargadoras, Senhoras Dras. Eva Almeida e Maria dos Anjos Melo Nogueira.
Tratou-se de um acórdão sobre um recurso de apelação da Citizens’ Voice contra o Pingo Doce, relativamente à ampliação do pedido inicial que levou à ineptidão parcial da petição quando a esse segmento ampliado. O Venerando Tribunal da Relação de Guimarães acordou julgar improcedente a apelação da Citizens’ Voice. Ou seja, a Citizen’s Voice perdeu esse recurso, embora o processo agora siga com o pedido original (até porque o Venerando Tribunal entendeu que seria “um verdadeiro disparate jurídico” indeferir a ação por ineptidão da petição inicial com base na causa de pedir e pedido original.
A surpresa, ou talvez não, desse acórdão está na qualidade excecional da sua fundamentação. Denota-se uma muito cuidada apreciação de toda a factualidade inerente e, mais do que isso, a resolução de absolutamente todas as questões suscitadas com um rigor jurídico muito acima do tido como excecional, tratando cada uma com recurso a um raciocínio lógico, juridicamente inquestionável e sempre suportado na melhor doutrina e relevante jurisprudência.
Perdemos este recurso, ganhou a confiança na justiça e ganhamos nós todos, que estamos agora melhor preparados para estes casos.
Contudo, porque a Citizens’ Voice não quer deixar que os clientes que tenham pago mais pelos produtos comprados no Pingo Doce do que o preço anunciado nas prateleiras, incluindo aqueles que de momento ainda não conseguimos identificar, esta a equacionar avançar com uma ação de obtenção de documentos por força a obter a prova necessária para ações de indemnização dos consumidores (ao abrigo dos artigos 573 a 576, artigos 12 e 13, da lei 23/2018, artigos 33 (3) (4) e 81 (3), da lei 19/12).
Nota final: A Citizens’ Voice não tem qualquer vantagens financeira com os processos judiciais, não recebe qualquer quantia pelos mesmos e sobrevive, fazendo face aos muitos custos que tais ações comportam, com a generosidade dos seus associados que voluntariamente contribuem financeiramente para cobrir os custos que existem com as ações à medida que são incorridos. No entanto, com o apoio da Justice4All, pelo menos em alguns processos, vai procurar fortalecer as suas decisões jurídicas com robustos pareceres jurídicos, para melhor defender os interesses dos consumidores – principalmente, quando claramente, podemos confiar na Justiça. Tal como se demonstrou neste acórdão, no acórdão que condenou a Vodafone ou em muitos outros que tem vindo a ser proferidos com excecional qualidade, os consumidores podem confiar na Justiça – porque consumidores, somos todos nós.
Consulte o douto acórdão aqui: Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães ampliação do pedido