Relação Rejeita Lei da Rolha do Pingo Doce

Read Time:8 Minute, 24 Second

Tribunal da Relação Defende Liberdade de Expressão

O Pingo Doce avançou com um procedimento cautelar visando coartar a nossa liberdade de expressão e informação. Esse procedimento pretendia proibir a CITIZENS’ VOICE de publicar e partilhar conteúdos a alertar os consumidores para verificarem o preço das suas compras no Pingo Doce no momento do pagamento. Isto porque foram detetados cassos em que o Pingo Doce cobrou um valor superior ao preço que constava na prateleira.

Numa firme afirmação dos direitos de informação aos consumidores e dos princípios da democracia, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferiu um acórdão, em que foi mui ilustre relatora a Veneranda Senhora Juíza Desembargadora, Dra. Isabel Silva, que estabeleceu um precedente significativo no âmbito das liberdades e garantias e da democracia. O Venerando Tribunal rejeitou o recurso apresentado pelo Pingo Doce, que visava impor uma “lei da rolha” à Citizens’ Voice, impedindo assim a associação de prestar informações cruciais aos consumidores.

Esta decisão sublinha o compromisso do Tribunal em defender os valores democráticos fundamentais, como também reforça o papel dos grupos de defesa dos consumidores na promoção da transparência e responsabilidade das indústrias.

Embora o Venerando Tribunal não tenha acatado o recurso da Citizens’ Voice na sua totalidade, confirmou a importância de uma comunicação factual, particularmente que o termo “crime” não deve ser usado em situações em que o Pingo Doce não tenha sido condenado criminalmente com uma decisão transitada em julgado. Esta abordagem ponderada e equilibrada destaca a importância de garantir que a informação permaneça respeitosa, séria e fundamentada na precisão factual – valores a que a Citizens’ Voice está e sempre estará atenta.

O douto acórdão do Venerando Tribunal brilha através da sua análise meticulosa sobre as implicações mais amplas dos erros de preços repetidos nas várias lojas do Pingo Doce. O julgamento articula de forma ponderada a gravidade dos “erros humanos” persistentes que, quando ocorrem por períodos prolongados e em vários locais, levantam preocupações significativas sobre questões sistêmicas dentro da organização.

Face aos fundamentos e à excelência do douto acórdão, a Citizens’ Voice conforma-se com a decisão proferida e reitera o brilhantismo e justiça da decisão.

A Citizens’ Voice mantém-se firme no seu compromisso de defender os direitos dos consumidores e garantir que a indústria seja responsabilizada pelas suas ações. Este julgamento reforça a nossa resolução de continuar o nosso trabalho, munidos com o conhecimento de que o sistema legal apoia o nosso direito fundamental de informar e proteger os consumidores.

Expressamos a nossa mais profunda gratidão ao Venerando Tribunal pela sua deliberação minuciosa e ponderada, que não só defende os valores centrais da nossa sociedade, mas também pavimenta o caminho para um mundo mais justo.

Fundamentos da douta decisão que merecem destaque

Ensina o douto acórdão o seguinte (destaque nosso):

Há muito ultrapassada a construção/desconstrução da imagem duma empresa pelo “passa a palavra”, essas ações, práticas e condutas do dia a dia são hoje escrutinadas e difundidas pela publicidade e pelas redes sociais. Uma “má notícia” ocorrida na mais recôndita aldeia, fica potencialmente do conhecimento global com a rapidez dum clique. São as desvantagens e/ou inconveniências da internet e das redes sociais. E, como parece resultar da natureza humana, poucos ou nenhuns se preocupam em ajuizar da fiabilidade do que leem nas redes sociais, tomando tudo como certo as mais das vezes, e reproduzindo-o por partilha com terceiros.

Pese embora a grande diferença de valores que comandam as sociedades atuais, cremos que a imputação a alguém da prática de crimes, ainda constitui uma valoração muito negativa da pessoa.

E tanto assim é que mereceu a atenção da revista Sábado, que lhe dedicou uma página. Ou seja, o assunto passou a notícia de uma revista de âmbito nacional.

(…)

Do supra exposto resulta que a liberdade de expressão é um direito fundamental que consiste na faculdade de todos os cidadãos poderem expressar e divulgar, sem impedimentos e restrições, as suas ideias, convicções ou críticas pela palavra, imagem, pelo som ou por qualquer outro meio. A liberdade de expressão apenas pode ser objeto de restrições, no caso de colisão com outros direitos fundamentais e interesses públicos constitucionalmente protegidos.

Assim, o direito ao bom nome enquanto direito fundamental pode constituir limite ao exercício da liberdade de expressão.

(…)

Defende este tribunal [Tribunal Europeu dos Direitos Humanos] no essencial que a liberdade de expressão é um postulado da sociedade democrática e do Estado de Direito, que as limitações à liberdade de expressão devem estar previstas na lei, prosseguirem um fim legitimo e serem necessárias; quando no debate de questões de interesse público a possibilidade de restrições da liberdade de expressão é particularmente limitada; na sindicância dos limites da liberdade de expressão devem distinguir-se as afirmações de facto dos juízos de valor e a imprensa tem o dever de transmitir informações e ideias sobre matérias de interesse público e ao fazê-lo é-lhe permitido recorrer a uma certa dose de exagero, mesmo de provocação.

(…)

No caso em análise nos autos é manifesto que há interesse social na divulgação dos factos referentes a discrepâncias de preço entre “as prateleiras” do supermercado e o preço cobrado em caixa, que essa informação interessa a todos os consumidores e que os factos respeitam a situações que devem ser conhecidas do público.

O que acontece é que, no caso dos autos, os Requeridos se excederam, disseram mais do que o necessário e de forma ofensiva da imagem da Requerente.

De facto, em nome da liberdade de expressão e da intensa polémica que possa existir não devem ser protegidos ataques injustificados, desnecessários e desproporcionais.

É certo que o confronto de interesses pode levar a exageros e excessos de linguagem que, dentro de um critério de razoabilidade, devem ser protegidos.

Como suprarreferimos, a liberdade de opinião, nos termos do disposto no artigo 10º/1 da CEDH, é um dos baluartes da liberdade de expressão.

O TEDH tem-se pronunciado no sentido de que as questões de interesse público deverem ser debatidas e que as opiniões expressas, muitas vezes com recurso a linguagem violenta e exagerada, devem considerar-se protegidas pela liberdade de expressão.

Não obstante as comunicações efetuadas devem evitar a condenação prévia e em praça pública de entidade que não foi objeto de condenação judicial ou acusação pública e, assim, nas comunicações a efetuar, os requeridos devem usar de contenção, para evitar que se crie a falsa convicção da prática de crimes pela Requerente.

Por outro lado, não basta que os factos publicitados sejam suscetíveis de afetar o prestígio ou bom nome para que se verifique comportamento ilícito e violador do direito à honra.

O que deve evitar-se é ataques desproporcionais e sem interesse para o público alvo das publicações efetuadas e que não estejam pautados pelo princípio da boa-fé. Neste âmbito o TEDH reconhece, em relação às imputações de factos (como no caso acontece com a imputação de factos criminosos), a importância da boa fé para garantir um espaço para o erro e compensar a exigência de verdade, ou seja, tem de existir esforço de relatar factos verdadeiros, sendo excessivos os juízos de valor que não tenham qualquer sustentabilidade de facto.

(…)

De facto, grande parte das publicações efetuadas pelos Requeridos enquadram o exercício da liberdade de expressão dentro dos limites que se devem ter por admissíveis numa sociedade democrática aberta e plural, apenas se excedendo na parte em que imputam a prática de crimes de especulação de preços e de alegado crime de publicidade enganosa.

Assim, na ponderação entre o direito à honra (bom nome e imagem) da Requerente e o direito à liberdade de expressão dos Requeridos, os direitos de ambos podem ser comprimidos, sem prejudicar o exercício da liberdade de expressão dos Requeridos, na parte em que o mesmo reviste interesse relevante de informação dos consumidores.

(…)

O direito de informação reporta-se à informação de factos e/ou ocorrências, e não de imputações. E atendendo à qualidade da 1ª Requerida, de associação de defesa de consumidores, era de se lhe exigir outra prudência, em abono da verdade. Na verdade, passou de imediato à imputação de crimes, ao invés de simplesmente alertar para o que se estava a passar, com rigor e objetividade, sobre a ocorrência de disparidade dos preços anunciado-cobrado.

Destaca-se deste aresto, em particular, o seguinte segmento (destaque nosso):

Na verdade, sendo insofismável a desculpabilização de uma falha humana e que todos falhamos, essa constatação já muda de figura quando essas falhas se prolongam no tempo e se multiplicam em número. Ou a Requerente tem um problema gravíssimo de competência do seu pessoal, sobre o qual já teria atuado face aos prejuízos que lhe tem advindo, ou efetivamente são demasiadas “falhas humanas”, a descredibilizar o que essas testemunhas disseram.

(…)

Basta atentar no facto provado 14 e no extenso rol das lojas aí consideradas, de Norte a Sul do país. Na verdade, sendo insofismável a desculpabilização de uma falha humana e que todos falhamos, a constatação já muda de figura quando essas falhas se prolongam no tempo e se multiplicam em número. Num universo de 470 estabelecimentos, foi detetado sempre o mesmo erro em 69 deles, equivalendo a cerca de 14%, ao longo de vários meses e em vários locais. Como atrás se referiu, são demasiadas “falhas humanas”.

Acima de tudo, seria uma coerção injustificável que se pudesse proibir alguém de divulgar as ações judiciais que propôs ou que planeia interpor.

Da mesma forma que violaria o direito de expressão e opinião de qualquer cidadão, sem justificação bastante, a proibição de referirem que a Requerente pratica disparidade de preços, entre os anunciados e os efetivamente cobrados no momento do pagamento ou que tal se traduz em comportamentos lesivos dos direitos dos consumidores.

A CITIZENS’ VOICE – o cidadão precisa de ter voz

A CITIZENS’ VOICE – Consumer Advocacy Association, é uma organização não governamental criada com o objetivo de promover os interesses dos consumidores na União Europeia por meio de pesquisa, defesa e educação.

Faça o download do acórdão na integra: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Faça o download do Press Release: Press Release – Lei da Rolha do Pingo Doce

FIM DO COMUNICADO

Happy
Happy
0 %
Sad
Sad
0 %
Excited
Excited
0 %
Sleepy
Sleepy
0 %
Angry
Angry
0 %
Surprise
Surprise
0 %
Previous post Ação Popular contra a Wells e Planas Oliveiras – Compressas TNT – fraude sobre mercadorias
Next post Ação Popular contra a Bragadis (E.Leclerc) e Albino Dias de Andrade – Compressas TNT – fraude sobre mercadorias