[Acórdão STJ] Envio de extratos de conta enquanto offspring da atividade bancária – ação popular

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O Colendo Supremo Tribunal de Justiça julgou, em 16.11.2023, improcedente o recurso per saltum de revista intentado pela Citizens’ Voice relativo ao pedido de condenação de uma determinada entidade bancária a reconhecer que o envio de extratos de conta é obrigatório com a periodicidade estabelecida na lei e o pedido de declaração de nulidade de uma determinada cláusula contratual.

Apesar de a Citizens’ Voice ter sido vencida no douto acórdão, foi também convencida da questão de direito ali tratada, desde logo pela cuidadoso labor hermenêutico empreendido e plasmado no douto e brilhante acórdão, cuja erudição das palavras foi emprestada ao mesmo pelo Colendo Juiz Conselheiro, Senhor Dr. Nuno Ataíde das Neves, mui ilustre relator do mesmo.

Sem perder toda a profundida e cuidado que a questão merecia, nomeadamente por se mover no arco de uma ação popular, o acórdão é de uma clareza e de uma importância que importa assinalar, pelo menos, no seu muito esclarecedor e bem condensado sumário e que se apresenta no final.

Em resumo, o douto acórdão entende que quanto à recusa de envio dos extratos bancários, não tendo a mera disponibilização de tais informações bancários no sítio da internet
do banco réu a virtualidade de acautelar aquele direito conferido por lei e pelo contrato aos consumidores, tem um interesse de natureza difusa do interesse, na modalidade de interesse individual homogéneo, cuja tutela pode ser defendida com o recurso a uma ação popular. No entanto, esta questão de direito, faleceu no seu mérito, uma vez que o banco pode disponibilizar os extratos bancários através de depósito no seu sítio da internet.

Já questão diferente é a que diz respeito à violação do dever de informação quanto à possibilidade dos consumidores conseguirem aceder aos extratos de conta no sítio da internet, decarregá-los e armazená-los, com a advertência de que se não o fizerem os extratos deixarão de estar disponíveis no período de seis meses e à faculdade de escolha de outra forma de envio dos extratos (i.e. via postal ou correio eletrónico) para que os consumidores possam fazer uma escolha consciente e esclarecida.

Entendeu o Colendo Tribunal de Justiça que quanto à violação do dever de informação, no caso concreto, tal iria depender do cliente concreto, suas características, suas circunstâncias e ainda com a medida de informação disponibilizada – o que impede afirmar a existência de uma violação difusa do dever de informação e por isso afasta a tutela popular. Deverão os consumidores que se sintam lesados por violação do dever de informação supra referida, recorrer individualmente aos tribunais.

Todos os consumidores que de alguma forma se sintam lesados com a falta de informação sobre a possibilidade de receberem os extratos em papel, por via postal, e que não tenha sido informados que esse extratos são apenas conservados no homebanking por um determinado período (geralmente 6 ou 12 meses), podem recorrer à associação que disponibilizará uma minuta para poderem intentar uma ação individual junto dos julgados de paz da sede do banco e um advogado da associação acompanhará os então demandantes durante o processo e em regime pro bono.

Juntos para uma maior justiça, para a defesa dos direitos do consumidores. Somos a Voz dos Consumidores.

Sumário (da responsabilidade do relator)
I – O exercício da Acção Popular, postulado pelo artigo 52o no 3 da Constituição da República Portuguesa, encontra-se regulado na Lei n.o 83/95, de 31-08, distinguindo-se de todas as demais modalidades de acções pela amplitude dos critérios determinativos da legitimidade para a respectiva propositura, podendo ser instaurada por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos e por associações e fundações defensoras de valores, interesses ou posições jurídicas materiais protegidos pela lei, de natureza difusa, designadamente, entre outros, a
saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público interesses e valores que não são susceptíveis de uma apropriação individual, e que respeitem a todos os membros de uma comunidade, ou, pelo menos, um grupo de pessoas não individualizável pela titularidade de qualquer interesse directamente pessoal, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.
II – Com a açcão popular procura tutelar-se um interesse difuso, um interesse que possui uma dimensão individual e supra- individual (que pertencem a todos os titulares do interesse difuso “stricto sensu” ou do interesse coletivo), ou um interesse particular homogéneo, que corresponde àquele em que não existe uma situação individual particularizada, ao contrário dos interesses individuais, que só possuem uma dimensão individual, pertencendo estes exclusivamente a um ou a alguns titulares, podendo aquela visar a prevenção e a reparação dos danos de massas, resultantes da violação destes interesses, assim como os correspondentes interesses individuais homogéneos de todos os seus titulares.
III – Para que a tutela coletiva dos interesses difusos seja praticável, impõe-se que os mesmo sejam configuráveis numa situação jurídica genericamente considerada, assim como se impõe normalmente a abstração do “lastro de individualização”, ou seja, o alheamento ou afastamento de algumas particularidades respeitantes a cada um dos
seus titulares, ou seja ainda, aquela tutela visa um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico de protecção de interesses que pertencem a uma pluralidade indiferenciada de sujeitos, assim respeitante a interesses indivisíveis da coletividade.
IV – Procurando aferir-se da legitimidade ativa para o exercício da ação popular, importa ponderar a natureza dos bens e interesses difusos, nas suas várias modalidades, cuja tutela se reclama, e se tais interesses se revelam efectivamente carenciados de tutela popular, tal significando que essa ponderação deve partir sempre do objeto do processo, tal como configurado pelo autor, na consideração do pedido e da causa de pedir.
V – Tem natureza difusa, sendo susceptível de tutela popular, o interesse de diversos clientes bancários/consumidores, num universo indeterminado, mas determinável (conjunto de consumidores que subscreveram as condições gerais com determinado banco), de que o Banco de que são clientes lhes envie periódica e gratuitamente os extratos bancários, por via postal ou por correio eletrónico, desde que tal direito decorra das normas legais e convencionais gerais a todos aplicáveis.
VI – Pese embora a natureza específica de cada situação e os elementos de facto comuns a todas elas, tem o Tribunal de exercer o devido controlo sobre a prevalência dos interesses pertencentes àquele universo indeterminado, sem nunca perder de vista a tendencial abstração daqueles elementos particulares, só assim podendo aquilatar-se do sentido e adequação da ação popular.
VII – A circunstância de se verificarem elementos particulares relativamente a cada um dos consumidores, muito embora seja um elemento relevante, não pode significar, por si só, o afastamento do direito de ação popular, sob pena de se frustrar a intenção do legislador, que não pretendeu que um qualquer elemento particular invocado seja suficiente para descaraterizar imediatamente o interesse como coletivo, com isso tornando praticamente impossível a instauração de qualquer ação popular.
VIII – No actual contexto a que se assiste à crescente desmaterialização da atividade bancária, com a substituição do banco físico pelo banco digital, com poupança para os bancos e para os clientes que, muitas vezes, beneficiam de taxas de serviço inferiores por tal circunstância, não é atentatória da boa-fé a disponibilização de extratos bancários por meios de comunicação à distância, expressamente consentido pelas normas regulamentares em vigor e acolhida pelos termos acordados com os clientes.
IX – A violação do dever de informação tem como consequência a exclusão do contrato das cláusulas não comunicadas ou explicadas, nos termos do disposto no art. 8.o, al. b), da LCCG, tendo natureza contingente, na medida em que depende do cliente concreto, suas características e suas circunstâncias, na medida da informação disponibilizada, ou seja, surgindo o dever de informação no contexto da formação do contrato, com um conteúdo variável em função das circunstâncias concretas que rodeiam a sua celebração e cumprimento, pelo que saber se determinadas cláusulas foram explicadas, de forma suficiente e clara, depende de uma apreciação casuística, de onde haverá que concluir não ser possível afirmar a existência de uma violação difusa do dever de informação.

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